sábado, 6 de junho de 2009

O QUE É INTERDISCIPLINARIDADE?


Este livro, publicado pela Cortez Editora, e organizado pela Professora Dra. Ivani Fazenda traz diversas abordagens sobre a interdisciplinaridade sob a ótica da Educação, Ciência, Arte, Filosofia, Matemática, Sociologia, Psicologia e Teologia. A obra foi gestada no GEPI (Grupo de Estudos e Pesquisa em Interdisciplinaridade, formado por professores, mestrandos, doutorandos e alunos egressos do Programa de Pós-Graduação em Educação: Currículo da PUC-SP) e no CRIE (Centro de Pesquisa sobre Intervenção Educativa do Canadá).

LEITURAS ESPECIAIS SOBRE CIÊNCIAS E EDUCAÇÃO


A Icone Editora lançou em maio de 2009 o livro Leituras Especiais sobre Ciências e Educação, de Ana Paula Pires Trindade e Diamantino Fernandes Trindade.
O livro dividido em cinco partes aborda:

Autoria da Escrita na Visão Psicopedagógica
Ana Paula Pires Trindade faz uma análise do desenvolvimento da autoria da escrita e o seu papel na construção do sujeito epistêmico tanto no âmbito social quanto no escolar.

Interfaces da Ciência: Mito, Religião, Poder e Educação
Diamantino Fernandes Trindade escreve sobre algumas interfaces que a Ciência estabelece com o mito, a religião, o poder e Educação.

Conquistas Femininas: Avanços e Retrocessos
Ana Paula e Diamantino escrevem sobre as conquistas das mulheres em diversos setores, bem como a importância do dinamismo matriarcal, em contraponto ao dinamismo patriarcal que rege a sociedade atual.

A Didática do Ensino da Matemática na Educação de Jovens e Adultos
Elisabete Teresinha Guerato discorre sobre a Didática do Ensino da Matemática na Educação de Jovens e Adultos.

Dos Ideogramas Alquímicos ao Alfabeto de Lavoisier: uma análise da influência da linguagem na evolução da Química e das Ciências
Marcelo Marcílio Silva traz preciosa colaboração com o estudo analítico entre os ideogramas alquímicos e a Nomenclatura Química proposta por Lavoisier que, em 1787, defendeu na Academia das Ciências, durante a leitura pública de sua Memória, a necessidade de reformar e aperfeiçoar a nomenclatura química.

Estas leituras especiais trarão, sem sombra de dúvidas, uma nova visão sobre alguns temas discutidos na atualidade nos campos da Educação e da Ciência.

sexta-feira, 5 de junho de 2009

O INSTITUTO FEDERAL DE EDUCAÇÃO, CIÊNCIA E TECNOLOGIA - SP E O ENSINO DA HISTÓRIA DA CIÊNCIA

O objetivo deste artigo é mostrar como o IFSP tornou-se o pioneiro no ensino da História da Ciência para o Ensino Médio e como a História da Ciência mostrou-se um importante instrumento pedagógico para modificar a visão de Ciência dos alunos, constituindo-se como condição primordial para a formação holística de professores de ciências compromissados com os novos caminhos da Educação.


Os problemas encontrados no ensino de ciências, com professores e alunos desmotivados, tem sido objeto de estudo das mais diversas linhas de pesquisa em Educação e alvo de freqüentes publicações em muitos países. Muitas são as estratégias defendidas para alterar este quadro e, entre elas, apontada como uma possibilidade para estimular o interesse por esta área do conhecimento, destaca-se a introdução da História da Ciência como um recurso necessário para o aprendizado das diversas ciências.
Isso seria, sem dúvida, um ponto de partida para uma modificação significativa nos conteúdos, especialmente ao levantar discussões sobre diferentes modelos de conhecimento, o que também poderia ajudar a repensar tanto o ensino como a educação científica.
Conforme Trindade (2009):

Visando esse processo, os Parâmetros Curriculares Nacionais, ainda que pontualmente, assinalam a importância da História da Ciência como fonte para a construção de uma concepção não-neutra da Ciência a partir das séries iniciais do ensino fundamental Todavia, a construção da interface entre a história da ciência e o ensino não se dá com muita facilidade, por dois motivos: há poucos historiadores da ciência e, freqüentemente, os professores universitários não costumam dar importância merecida ao estudo dos históricos que compuseram e estruturaram os conceitos e as teorias de sua disciplina. Assim, o processo de formação fica, maior parte dos casos, limitada aos aspectos teóricos e práticos necessários à prática profissional do cientista, mas não do educador.
Ao desconsiderar os estudos sobre processos de construção das ciências em suas dimensões históricas, sociais e culturais, os professores deixam de se capacitar para elaborar uma crítica adequada ao saber científico, ao seu próprio saber e ao saber que transmitem. Em outras palavras, acabam apenas retransmitindo resultados da pesquisa científica, o que difere do ensino científico. Por outro lado, aqueles que continuam sendo formados sob tal perspectiva, acabam apenas repetindo um conhecimento que se torna descontextualizado, fragmentado e dogmático. Tal postura leva a endossar a idéia de que a ciência é atemporal, desvinculada das necessidades humanas, que progride de modo linear e cumulativo, existindo acima da moral e da ética, e neutra no que diz respeito às suas conseqüências. Além disso, traz consigo a imagem de que a ciência é um repositório de certezas e de verdades, fruto do trabalho de indivíduos abnegados que descobrem as verdades já inscritas na natureza, desvelando-as completamente por meio da observação e de medidas mais rigorosas.

Adotando uma nova visão, que reconheço como interdisciplinar, da área de Ciências da Natureza, percebi que a História da Ciência pode ser uma disciplina aglutinadora. A contextualização sociocultural e histórica da Ciência e tecnologia associa-se às Ciências Humanas e cria importantes interfaces com outras áreas do conhecimento. O caráter interdisciplinar da História da Ciência não aniquila o caráter necessariamente disciplinar do conhecimento científico, mas completa-o, estimulando a percepção entre os fenômenos, fundamental para grande parte das tecnologias e desenvolvimento de uma visão articulada do ser humano em seu meio natural, como construtor e transformador desse meio.
Em 1978, iniciei a minha carreira como professor universitário, lecionando Química Geral nas Faculdades Oswaldo Cruz. O ensino tecnicista estava em vigor; havia um ciclo básico para os alunos de Engenharia Química, Química Industrial, Licenciatura e Bacharelado em Química, Física e Matemática. Eram 17 turmas e o currículo era o mesmo para todas elas. Os alunos dessas turmas, vindos do segundo grau profissionalizante, eram produto da LDB 5.692/71. Ainda nesse ano passei a lecionar Química para os cursos de Licenciatura em Física, Matemática e Biologia na Universidade de Santo Amaro e Química Analítica para o curso de Licenciatura em Química na Universidade de Guarulhos. Senti que precisava, como já fazia no curso colegial, tornar minhas aulas mais interessantes. Procurava, desde aquela época, embora sem nenhuma sustentação teórica, pautar minhas aulas em um enfoque histórico. Percebi então que, ao situar as teorias de Química no contexto em que haviam sido produzidas, despertava maior interesse dos alunos.
Nesse momento, a História da Ciência servia apenas para chamar a atenção dos alunos. Em 1980, conheci o professor Márcio Pugliesi que lecionava a disciplina História e Desenvolvimento do Pensamento Científico, no curso de licenciatura em Química nas Faculdades Oswaldo Cruz, e esse contato ativou ainda mais o meu interesse pela História da Ciência.
As pesquisas sobre História da Ciência levaram-me à construção de um currículo paralelo em que pude perceber que o desenvolvimento histórico da Química, Física e Matemática mostrava que estas ciências não precisavam ser ensinadas de modo tão fragmentado, tradicional e cansativo. O fruto desses primeiros anos de pesquisa foi a publicação, em 1983, do livro Química Básica Teórica, em parceria com Márcio Pugliesi, obra na qual a articulação dos capítulos foi feita em função da visão histórica do desenvolvimento da Química.
A História da Ciência começou a se delinear como um espaço para a crítica do conhecimento científico, por meio da interdisciplinaridade, a partir da década de 1960. Constitui-se em um espaço estratégico do ponto de vista educacional, pois procura enfatizar a ética científica, respeitando a humanidade e a sua história e, desta forma, resgatar o homem no seu sentido superior. Alguns autores, como Alfonso-Goldfarb e Andery abordam esta questão. Durante os anos de 1990, houve um crescente interesse, na área educacional, pela História da Ciência e diversos trabalhos, como os de Chassot e Vanin , foram escritos sobre a sua importância na formação dos alunos do Ensino Médio. Entretanto, freqüentemente o seu conhecimento é construído enfocando alguns episódios descontextualizados nas disciplinas das chamadas Ciências da Natureza, Matemática e suas tecnologias, quando tópicos de História da Ciência são introduzidos apenas como ilustração, configurando o que se convencionou chamar de “perfumaria”, uma espécie de pausa para respirar entre dois conteúdos e que realmente, estes sim, devem merecer a importância do professor e do aluno! Esta não é, seguramente, a História da Ciência que desejamos que faça parte da formação dos alunos de Ensino Médio do nosso país.
Apesar de ser fundamental que os professores dessas disciplinas introduzam, no cotidiano das suas salas de aula, tópicos de História da Ciência, freqüentemente são limitados a um caráter apenas ilustrativo, episódico, factual e cronológico. Por isso a existência de um espaço curricular próprio e específico para os conteúdos de História da Ciência possibilita que estes possam ser abordados e articulados de forma muito mais orgânica no processo ensino-aprendizagem-avaliação.
Quando a LDB destaca as diretrizes curriculares específicas do Ensino Médio, ela se preocupa em assinalar para um planejamento e desenvolvimento do currículo de forma orgânica, superando a organização por disciplinas estanques e revigorando a integração dos conhecimentos, num processo permanente de interdisciplinaridade. Essa proposta de organicidade está contida no Artigo 36:

... destacará a Educação tecnológica básica, a compreensão do significado de ciência, das letras e das artes; o processo histórico de transformação da sociedade e da cultura; a língua portuguesa como instrumento de comunicação, acesso ao conhecimento e exercício da cidadania.

As diretrizes propostas nortearam a implantação do Ensino Médio no IFSP. Para os terceiros anos, estavam previstos blocos de disciplinas optativas, um dos quais foi chamado de Energia e Vida e ficou sob a responsabilidade da área de Ciências da Natureza, Matemática e suas tecnologias. A disciplina História da Ciência foi escolhida como unidade de caráter curricular integrador. Enquadrou-se no Projeto Pedagógico da escola em seus três pontos basilares: História da Ciência como eixo temático, a interdisciplinaridade como método e também princípio filosófico-pedagógico norteador e a pedagogia crítico-social dos conteúdos como embasamento de caráter teórico.
Um antigo sonho ganhava vida. Finalmente, começava-se a perceber a importância desse estudo na formação do jovem. Seu eixo gerador – a compreensão dos conceitos científicos ao longo da história, vinculada ao desenvolvimento tecnológico e econômico da sociedade – procuraria relacionar os conteúdos estudados nas diversas disciplinas das Ciências da Natureza, Matemática e suas tecnologias com os “conteúdos” necessários para a vida e talvez passar a compartilhar com os estudantes um conhecimento capaz de despertar o desejo, o amor pelo saber.
Em 2000 comecei a lecionar, junto com o Professor Ricardo Roberto Plaza Teixeira, essa disciplina. As dificuldades foram se revelando em função da inexistência de referenciais teóricos para a ação pedagógica. A idéia era inédita no Brasil, no que se refere ao Ensino Médio. O grande desafio tornou-se sair da posição de ensinar, para aprender junto com os alunos. A pesquisa compartilhada trouxe consigo uma visão mais abrangente dos processos de ensino-aprendizagem-avaliação das Ciências da Natureza e de suas regiões de fronteira, onde convivem também a História da Ciência, a Filosofia, a História e a própria Ciência cuja história se pretende estudar. Trindade diz que:

Regiões de fronteira são regiões interdisciplinares, regiões de encontros e transformações que se concretizam no comprometimento do professor com seu trabalho e se alimentam pelas experiências e vivências rituais de sua arte, anunciando possibilidades de vencer os limites impostos pelo conhecimento fragmentado, transformando-o em espaços criativos.

Diz ainda que:

O mundo é do tamanho do conhecimento que temos dele, portanto, de nós mesmos. Ao ampliar esse conhecimento, estendemos e estabelecemos nossas fronteiras, o mundo cresce, o sabor da busca se intensifica, o que confere à ação pedagógica um poder mágico: o de ir do presente ao passado, o de passear por lugares nunca vistos, o de alcançar e ultrapassar fronteiras transitando entre elas.

Nesse projeto de inclusão da disciplina História da Ciência no Ensino Médio no IFSP, os alunos acompanharam o desenvolvimento científico da humanidade desde os primórdios da civilização até os dias de hoje. Nessa grandiosa aventura da História, nos seus vários momentos, estudaram como os seres humanos se relacionam, em todos os tempos, com o conhecimento.
Com o passar do tempo esse projeto foi também desenvolvido pelo professor Ricardo Plaza nos primeiros anos do Ensino Médio.
Trabalhar com os alunos do Ensino Médio do IFSP nessa disciplina foi uma experiência bem-sucedida, um desafio vencido. Ficou claro que é possível trabalhar de forma interdisciplinar e contextualizada e que a História da Ciência é um dos instrumentos que possibilitam essa tarefa pedagógica. Tal experiência durou até 2007.
E o ensino da História da Ciência no Ensino Superior?
Desde a década de 1950, a História da Ciência está presente, como disciplina optativa, em vários cursos da Universidade de São Paulo, e na Unicamp, a partir da década de 1970. Com as novas Diretrizes Curriculares, alguns cursos de Formação de Professores em ciências passaram a incluir esta disciplina, como obrigatória, nas séries iniciais.
Que motivos levam uma Instituição de Ensino Superior a implantar a disciplina História da Ciência no currículo dos cursos de Licenciatura em ciências?
Para tentar responder esta questão, é importante fazer um breve histórico acerca da implantação e do desenvolvimento dessa disciplina em alguns cursos de ciências.
Desde a sua fundação, em 1934, sempre houve algum interesse pela História da Ciência na Universidade de São Paulo. Alguns cientistas estrangeiros convidados para constituírem os primeiros grupos de pesquisa na universidade cultivavam a História da Ciência, considerando-a importante tanto como fonte de inspiração para a pesquisa quanto instrumento pedagógico para o ensino universitário.
Não é de se estranhar então que vários pesquisadores brasileiros, formados por esses mestres estrangeiros, mostrassem sensibilidade por essa disciplina. Outros ainda a procuravam como um dos instrumentos para suprir as faltas e as deficiências de um ambiente universitário com pouca tradição de pesquisa. A USP não surgiu pelo amadurecimento de condições favoráveis à Ciência ou à tecnologia, mas da vontade política de determinados segmentos da elite paulistana.
Nas primeiras décadas após a fundação da USP, o Brasil continuou tendo principalmente uma economia agrário-exportadora, apesar da política de industrialização por substituição de importações. Assim, a falta de um amadurecimento técnico ou industrial não fornecia o substrato adequado para a criatividade científica ou para a inovação tecnológica. Desse modo, as referências vinham do estrangeiro. Em parte, isso podia ser suprido pela História da Ciência que, em tese, possuía condições para promover a compreensão do significado social da Ciência. Não foi por acaso que a primeira geração de cientistas da USP mostrou grande interesse pela História da Ciência.
Na década de 1950, tivemos alguma pesquisa na área de História da Ciência estimulada pelo sociólogo Fernando de Azevedo que concebeu o livro As ciências no Brasil, onde cada capítulo era dedicado ao desenvolvimento histórico das disciplinas científicas existentes no país. Vários profissionais de renome participaram desse trabalho, como Abraão de Morais, Viktor Leinz, Mário Guimarães Ferri, Heinrich Rheinboldt, entre outros.
Apesar desse interesse, cursos regulares de História da Ciência praticamente inexistiram nos primeiros anos da USP. Essa situação começou a mudar na década de 1960, quando teve início a expansão do ensino universitário no Brasil. Nessa época, o departamento de Física da USP criou a disciplina História das Ciências Físicas, sendo o primeiro curso regular a funcionar em todo o Brasil. O físico Plínio Sussekind da Rocha foi contratado especialmente para ministrar essa disciplina.
Na década de 1970, formou-se na USP o Núcleo de História da Ciência coordenado por Shozo Motoyama e que contava com Juinichi Osada, Maria Amélia Dantes, Carlos Henrique Liberalli, Simão Mathias e Geraldo Florshein. De acordo com as diretrizes da Reforma Universitária, implantada em todo Brasil, o Departamento de História ficou encarregado de ministrar as aulas de História da Ciência para toda Universidade. Ainda na década de 1970, foi criado o Instituto de Física Gleb Wathagin na Unicamp, que teve na figura de Roberto Andrade Martins um grande incentivador do ensino da História e Filosofia da Ciência.
No âmbito da pós-graduação, merece destaque o Centro Simão Mathias (CESIMA), ligado ao Programa de Estudos Pós-Graduados em História da Ciência, da PUC-SP, que congrega graduandos, pós-graduandos e pesquisadores de diferentes áreas e instituições, tendo em vista a realização de estudos de interface centrados em História da Ciência. Desde sua criação, em 1994, vem organizando seminários, cursos de curta duração e outros importantes eventos. O CESIMA é considerado uma referência mundial no estudo e pesquisa de História da Ciência.
A disciplina História da Ciência foi e, em alguns casos, ainda é uma disciplina optativa nos cursos de ciências. Os cursos de Formação de Professores começaram a ganhar identidade própria há poucos anos, pois sempre foram vistos como meros apêndices dos bacharelados. Assim, sempre que a disciplina História da Ciência era oferecida, constituía-se em mais uma “perfumaria” para os alunos conseguirem créditos fáceis. O motivo desta depreciação é a maneira pela qual foi, e às vezes ainda é ensinada.
Muitas vezes a História da Ciência é concebida como uma coleção de curiosidades científicas e, outras tantas tal qual uma coleção de anedotas como um determinado grego (Arquimedes) correndo nu pelas ruas gritando “eureca”; um inglês (Newton) sonhando em um jardim enquanto as maçãs caíam sobre sua cabeça; Einstein gostava de usar roupas velhas e mostrar a língua; a mãe de Kepler era uma feiticeira. Quando não cai sobre tais extremos, a História da Ciência é ensinada como um mero relato sem relação com o que realmente ocorreu com o que motivava os cientistas e o que movia a sociedade a sustentá-los, relatos muitas vezes adaptados para que se compreenda com facilidade em vez de contar a real articulação de idéias e contradições, de frustrações e triunfos pelos quais passaram os cientistas. Este enfoque sobre o ensino da História da Ciência vem mudando gradativamente.
No IFSP a História da Ciência foi implantada pelo professor Ricardo Plaza no curso de Licenciatura em Física que lecionou a disciplina Ciência, História e Cultura até o final de 2005. A partir de então assumi esta disciplina. Quando se analisa a atual legislação brasileira para a formação de professores na área de ensino de Física, percebemos uma situação de falta de consenso ou de disputa pragmática sobre o ideal de profissionalização docente. De um lado, as Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos de graduação em Física (Parecer CNE 1304/2001) apontam para a licenciatura como orientação final de curso de graduação de Física, caracterizando um físico-educador ou um bacharel que pode lecionar. Em tais Diretrizes, a identidade do professor de Física é consolidada no âmbito da graduação que ele obtém na área de conhecimento específico mais do que na licenciatura.
No plano de ensino para o espaço curricular Ciência, História e Cultura procuramos evidenciar que o entendimento da natureza histórica, social e cultural do conhecimento científico é, ao mesmo tempo, um objetivo e um dos maiores desafios da educação para a Ciência. Assim, esse espaço curricular aborda não apenas elementos da historiografia da Ciência, mas problematiza o seu papel no ensino e na divulgação científica. São estudados materiais didáticos, produção acadêmica e projetos de ensino que incorporam e propõem o ensino da Física articulado à dimensão cultural da Ciência e as relações múltiplas entre a implicação e a determinação social do conhecimento científico e seus produtos tecnológicos. São propostas atividades de estudo visando à incorporação da pesquisa em ensino das ciências à prática de sala de aula.
Com o tempo fomos percebendo que os professores em formação compreenderam que realmente existem possibilidades para deslocar a visão hermética e tradicional de ensinar ciências, presente nos manuais didáticos, para uma visão ampla e crítica na qual ela não aparece como algo pronto e acabado. Mais importante do que isso é a percepção de que a História da Ciência não deve ir para a sala de aula como complemento ou curiosidade e, sim, fazendo parte do contexto desse novo olhar do ensino-aprendizagem de ciências.
A partir de 2008 passei a lecionar a disciplina História e Filosofia da Ciência para os cursos de Licenciatura em Química e Licenciatura em Biologia do IFSP seguindo as mesmas diretrizes do curso de Licenciatura em Física.
As experiências bem sucedidas do ensino da História da Ciência transpuseram as fronteiras do IFSP e passaram a ser divulgadas de diversas maneiras. A primeira delas foi o curso História da Ciência: um instrumento interdisciplinar que ministrei em 2002 no SINPRO-SP e na UNICID em 2004. Em 2004 e 2005 ministrei a disciplina História da Ciência para os cursos de Licenciatura em Matemática, Física e Química do Instituto Superior de Educação Oswaldo Cruz.
Diversos artigos foram publicados em revistas:

 Reflexões sobre uma experiência de inclusão da disciplina História da Ciência no Ensino Médio (Ricardo Roberto Plaza Teixeira e Diamantino Fernandes Trindade) na Revista Sinergia.
 A História e a Fotografia a Serviço do Estado: D. Pedro II e a afirmação da Nação (Diamantino Fernandes Trindade, Lais dos Santos Pinto Trindade e Luiz Felipe S. P. Garcia) na Revista Sinergia.
 Os pioneiros da Ciência Brasileira: Bartholomeu de Gusmão, José Bonifácio, Landell de Moura e D. Pedro II (Diamantino Fernandes Trindade e Lais dos Santos Pinto Trindade) na Revista Sinergia.
 História da Ciência no Ensino Médio: uma pesquisa interdisciplinar (Diamantino Fernandes Trindade) na Revista CEAP de Educação.
 As faces ocultas da Ciência segundo Pierre Thuillier em seu livro de Arquimedes a Einstein (Ricardo Roberto Plaza Teixeira e Fernando Barbosa Ferreira) na Revista Sinergia.
 Uma análise do filme “O Nome da Rosa” sob a ótica da História da Ciência (Ricardo Plaza Teixeira) na Revista Transfazer – Estudos Interdisciplinares.
 Análise das conclusões do livro A origem das espécies de Charles Darwin (Ricardo Plaza Teixeira) na Revista Científica da FAMEC.
 Breve análise da obra “Os Sonâmbulos” e de sua importância para a História da Ciência (Ricardo Plaza Teixeira e Fernando Barbosa Ferreira) na Revista Sinergia.
 O valor da Ciência de Poincaré, cem anos depois de sua publicação (Ricardo Roberto Plaza Teixeira e Alessandra Cristiane Matias) na Revista Sinergia.
 Reflexões sobre a disciplina-projeto Ciência, História e Cultura – proposta para turmas do Ensino Médio do IFSP (Ricardo Roberto Plaza Teixeira e Fausto Henrique Gomes Nogueira) na Revista Sinergia.
 Os caminhos da ciência brasileira: da Colônia até Santos Dumont (Diamantino Fernandes Trindade e Lais dos Santos Pintos Trindade) na Revista Sinergia.
 Os caminhos da ciência brasileira: os sanitaristas (Diamantino Fernandes Trindade e Lais dos Santos Pintos Trindade) na Revista Sinergia.
 Alberto Santos Dumont pelos céus de Paris (Diamantino Fernandes Trindade) no Jornal Nova Era Maçônica.
 Química e Alquimia (Diamantino Fernandes Trindade e Lais dos Santos Pinto Trindade) na Revista Sinergia.
 As telecomunicações no Brasil: de D. Pedro II até o Regime Militar (Diamantino Fernandes Trindade e Lais dos Santos Pinto Trindade) na Revista Sinergia.
 A interface ciência e educação e o papel da História da Ciência para a compreensão do significado dos saberes escolares (Diamantino Fernandes Trindade) na Revista Iberoamericana de Educación.
 A Ciência criando interfaces com o mito e a religião (Diamantino Fernandes Trindade) na Revista Sinergia.
 A interface Ciência e Educação (Diamantino Fernandes Trindade) na Revista Planeta Educação).

Alguns livros também foram publicados abordando a experiência do ensino da História da Ciência no IFSP:

 A História da História da Ciência (Diamantino Fernandes Trindade e Lais dos Santos Pinto Trindade) publicado pela Madras Editora. Neste livro é feita uma abordagem da construção histórica da Ciência desde a Grécia até o século XX.
 O ponto de mutação no ensino das ciências (Diamantino Fernandes Trindade) publicado pela Madras Editora. Esta obra aborda a experiência do ensino da História da Ciência no Ensino Médio do IFSP.
 Temas Especiais de Educação e Ciências (Diamantino Fernandes Trindade, Lais dos Santos Pinto Trindade, Ricardo Plaza Teixeira e Wania Tedeschi) publicado pela Madras Editora. Este livro contempla alguns capítulos dedicados à História da Ciência.
 Os Caminhos da Ciência e os Caminhos da Educação: Ciência, História e Educação na Sala de Aula (Lais dos Santos Pinto Trindade e Diamantino Fernandes Trindade) publicado pela Madras Editora. A primeira parte desta obra aborda a História da Ciência no Brasil. Ricardo Plaza Teixeira contribuiu com um artigo.
 Leituras Especiais de Ciências e Educação (Ana Paula Pires Trindade e Diamantino Fernandes Trindade) publicado pela Ícone Editora. Um dos capítulos deste livro aborda a interface da Ciência com a Educação por meio da História da Ciência.

Vários trabalhos foram apresentados em congressos, simpósios e seminários abordando ensino da História da Ciência:

 Os botões de Napoleão: a História da Química e a Educação Científica (Diamantino Fernandes Trindade, Ricardo Plaza Teixeira e Wilmes Teixeira) apresentado na Jornada de História da Ciência e Ensino na PUC-SP.
 História da Ciência: uma possibilidade interdisciplinar para o ensino de ciências no Ensino Médio (Diamantino Fernandes Trindade) apresentado no Seminário A Melhoria da Qualidade do Ensino Médio Público, no Instituto Unibanco. Este trabalho foi um dos três vencedores do Prêmio Instituto Unibanco 2007, categoria Formação de Professores.
 História da Ciência: uma possibilidade para aprender ciências (Diamantino Fernandes Trindade) apresentado III Congresso Internacional Sobre Projetos em Educação.
 Diferentes estratégias para a História da Ciência no Ensino Médio (Ricardo Plaza Teixeira) apresentado no II Congresso Luso-Brasileiro de História da Ciência e da Técnica.
 A História da Física Moderna e o uso de novas tecnologias no ensino da Física (Ricardo Plaza Teixeira e Marcelo Marcilio Silva) apresentado na Jornada de História da Ciência e Ensino na PUC-SP.
 História da Ciência no Ensino Médio: uma pesquisa interisciplinar (Diamantino Fernandes Trindade) apresentado no Seminário Internacional de Educação – Teorias e Políticas na Universidade Nove de Julho.
 Reflexões sobre uma experiência de inclusão da disciplina História da Ciência no Ensino Médio (Ricardo Plaza Teixeira) apresentado no XIV Simpósio Nacional de Ensino de Física.
 História da Ciência: um ponto de mutação no Ensino Médio (Diamantino Fernandes Trindade) apresentado no V Encontro Nacional de Pesquisa em Educação da Região Sudeste – ANPED.
 A contribuição da História da Ciência no Ensino Médio para a formação de um leitor crítico (Ricardo Plaza Teixeira) apresentado no XIII Congresso de Leitura do Brasil.
 A História da Matemática inserida em um projeto tendo como eixos temáticos Ciência, História e Cultura (Ricardo Plaza Teixeira) apresentado no VII Encontro Nacional de Educação Matemática.
 Os pioneiros das telecomunicações no Brasil: de D. Pedro II até a televisão em cores (Diamantino Fernandes Trindade) apresentado no II Congresso Universitário de Telecomunicações na Universidade Cidade de São Paulo.
 História da Ciência no Ensino Médio (Ricardo Plaza Teixeira e Diamantino Fernandes Trindade) apresentado na V Mostra de material de Divulgação Científica e Ensino de Ciências na Estação Ciência.
 José Bonifácio de Andrada e Silva e a memória sobre os diamantes do Brasil (Diamantino Fernandes Trindade) apresentado no Seminário Centenário Simão Mathias: Documentos, métodos e identidade da História da Ciência na PUC-SP.

Toda esta experiência possibilitou o desenvolvimento das minhas pesquisas de mestrado e doutorado:

 História da Ciência: um ponto de mutação no Ensino Médio – a formação interdisciplinar de um professor, dissertação de mestrado orientada da Professora Dra. Sylvia Helena da Silva Batista, Universidade Cidade de São Paulo, 2002.
 O olhar deHórus: uma perspectiva interdisciplinar do ensino na disciplina História da Ciência, tese de doutorado orientada pela Professora Dra. Ivani Catarina Arantes Fazenda, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2007. O professor Ricardo Plaza Teixeira foi um dos componentes da banca examinadora.

O IFSP foi o pioneiro no ensino da História da Ciência para o Ensino Médio. A História da Ciência mostrou-se um importante instrumento pedagógico para modificar a visão de Ciência dos alunos e constitui-se como condição primordial para a formação holística de professores de ciências compromissados com novos caminhos da Educação. Os desafios estão sempre presentes para aqueles professores que optam por esses caminhos, pela ruptura com o velho paradigma. Vivenciar os novos paradigmas da Ciência e da Educação significa um constante desconstruir e construir para não fragmentar novamente o todo, para não romper a teia do conhecimento e da vida.



REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
TRINDADE, Diamantino Fernandes. O Ponto de Mutação no Ensino das Ciências. São Paulo: Madras, 2005.
________. O olhar de Hórus: uma perspectiva interdisciplinar do ensino na disciplina História da Ciência. Tese de Doutorado. São Paulo: PUC-SP, 2007.
TRINDADE, Lais dos Santos Pinto. A alquimia dos processos ensino-aprendizagem em Química: um itinerário interdisciplinar e transformação das matrizes pedagógicas. Dissertação de Mestrado. São Paulo: UNICID, 2004.
________. História da Ciência na construção do conceito de ciências. Mimeo, 2009.

sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009

AS INDEPENDÊNCIAS DO BRASIL

Diamantino Fernandes Trindade
Lais dos Santos Pinto Trindade
Luiz Felipe dos Santos Pinto Garcia

São Paulo, 7 de setembro de 1822. Às margens do rio Ipiranga, D. Pedro, príncipe-regente do Brasil, herdeiro do trono português, proclamou a denominada independência do Brasil. É a partir deste fato incontestável da história de nosso país que pretendemos iniciar essa discussão sobre a validade dos chamados fatos históricos, que na verdade não existem, restando deles apenas as suas mais variadas versões, subordinados aos mais variados interesses.
Apesar de ser uma data comemorativa e significativa para os brasileiros, não é nossa intenção apenas louvar tal fato, mas sim colocar para vocês uma reflexão sobre o significado da nossa independência, não como um acontecimento isolado, surgido de um rompante de insubordinação passional e romântico de um jovem descompromissado com a vida e com os destinos da nação que se formava, ao contrário, foi como veremos, um processo, e uma conquista. Por isso nossa independência consolidou-se de forma totalmente diferente da América espanhola, que se fragmentou em vários países. Aqui mantivemos nossa unidade em torno da figura do imperador, que, contudo, era verdadeiro, humano e generoso. Seu lema “independência ou morte” portanto nada se parece com “exportar ou morrer” dos governantes de hoje.
Em primeiro lugar, vamos tentar antecipar a data da independência em alguns anos. Para isto, vamos apenas abandonar, pelo menos por um momento, os marcos cronológicos oficiais da história e tentar refletir um pouco sobre o processo de separação do Brasil em relação a Portugal. É sabido por todos que em 1808 a família real portuguesa desembarcou no Brasil, devido à invasão napoleônica. Pois bem, a partir deste momento a sede do Império português passou a ser o Brasil. Mais do que isso, logo no ano de sua chegada o príncipe regente D. João, que governava no lugar de sua mãe, considerada mentalmente incapaz, assinou o tratado que entrou para história com o sugestivo nome de Abertura dos Portos às Nações Amigas, ou seja, à Inglaterra. Até aqui, já temos dois fatores importantes para reflexão. Em primeiro lugar, com a vinda da família real para o Brasil, paulatinamente a estrutura da administração colonial foi sendo substituída por uma estrutura administrativa de uma nação politicamente autônoma. Além disso, a abertura dos portos rompeu a principal amarra econômica que prendia o Brasil a Portugal: o monopólio. Acabado o monopólio, ou seja, o dever do Brasil exportar seus produtos somente para Portugal, estava acabado também o Pacto Colonial. Pelo menos economicamente o Brasil já era independente.
Neste momento, pensamos ser importante mostrar a opinião, sobre este assunto polêmico, de um dos maiores historiadores brasileiros. Caio Prado Jr. (1991) nos diz que “o certo é que se os marcos cronológicos com que os historiadores assinalam a evolução social e política dos povos não se estribassem unicamente nos caracteres externos e formais dos fatos, mas refletissem sua significação íntima, a independência brasileira seria antecipada em quatorze anos, se contaria justamente da transferência da corte em 1808. Estabelecendo no Brasil a sede da monarquia, o regente aboliu ipso facto o regime de colônia em que o país até então vivera. Todos os caracteres de tal regime desapareceram, restando apenas a circunstância de continuar à sua frente um governo estranho. São abolidas, uma atrás da outra, as velhas engrenagens da administração colonial, e substituídas por outras já de uma nação soberana. Caem as restrições econômicas e passam para um primeiro plano das cogitações políticas do governo os interesses do país. São esses efeitos diretos e imediatos da chegada da corte. Naquele mesmo ano de 1808 são adotadas” mais ou menos” todas as medidas que mesmo um governo propriamente nacional não poderia ultrapassar. Caio Prado Jr. (1992) ressalta dois fatores fundamentais para justificar que o ano de 1808 deveria ser considerado como o ano da independência do Brasil: os fatores administrativos e os fatores econômicos. Poderia aqui se utilizar do argumento que a maioria da população brasileira não foi atingida por essas medidas. Isso é verdade, mas o 7 de setembro talvez tenha passado ainda mais desapercebido.
A data oficial da independência do Brasil poderia ser considerada como o marco político final do processo de emancipação, que em termos administrativos e econômicos já havia acabado ou estava em vias de acabar. Mas não pretendemos nos alongar na descrição do contexto em que D. Pedro proclamou a independência, já que este é conhecido por todos. Mas, de novo a pergunta, será que em 1822 a maioria da população brasileira sabia o que estava acontecendo? A resposta é a mesma. A maioria da população brasileira não tinha a mínima noção do que estava acontecendo. Primeiro porque desde os primórdios da colonização, a maior parte da população estava marginalizada do processo político e em segundo porque a grande quantidade de analfabetos dificultava a circulação das informações. Outro ponto fundamental é analisar como a independência mudou a vida dessas pessoas. Aqui também a resposta não é muito difícil: para a maioria, a independência política do Brasil não mudou em nada a sua situação. Os escravos continuavam escravos e os pobres continuavam pobres. E para a aristocracia? Bom, as amarras econômicas que tanto incomodavam as elites já haviam sido quebradas em 1808; a diferença é que a partir da independência poderiam intervir de maneira mais direta no poder central, e é claro que isso foi uma grande vantagem para a aristocracia brasileira.
Mas ainda existia um problema, que não passou desapercebido por uma parcela da população brasileira: D. Pedro (agora I) era o herdeiro do trono português, e quando D. João morresse existia o risco de novamente as coroas de Brasil e Portugal voltarem a se unir. Este risco tornou-se evidente a partir de 1826 quando D. Pedro começou a brigar com seu irmão D. Miguel pela sucessão do trono português, com a morte de D. JoãoVI. Essa e outras atitudes de D. Pedro acabaram por minar sua popularidade, já deteriorada pela sua tirania. Essa situação chegou num ponto extremo em 1831 levando-o à abdicação, por temer que uma revolução tomasse o poder e alterasse de maneira radical as estruturas do país, fato que nem ele e nem as elites que o apoiavam queriam que ocorresse. Alguns historiadores consideram 7 de março de 1831 a data da independência definitiva do Brasil, pois a partir daí estava praticamente descartada qualquer possibilidade de reunificação das duas coroas já que o filho de D Pedro havia nascido no Brasil e o governo regencial, previsto na Constituição, já que o herdeiro do trono ainda não tinha completado nem cinco anos, seria formado por senadores brasileiros. Portanto, para esses historiadores, o marco da abdicação corresponde à independência definitiva do Brasil por dois motivos: primeiro estava excluída a possibilidade de reunificação das duas coroas e segundo porque o governo agora seria formado por brasileiros.
Entre os três marcos históricos aqui discutidos, este último foi o que teve mais impacto quando ocorreu, já que o xenofobismo em relação ao português era muito forte no Brasil e disseminado por praticamente todas as camadas da população e é bem provável que não poupava nem o primeiro imperador do Brasil.
Muitos de vocês devem estar se perguntando qual é a importância dessa discussão. Se ela não é apenas uma discussão teórica para historiadores. Na nossa opinião, não. Muito mais que uma discussão puramente acadêmica esta é uma discussão ideológica. Afinal, qualquer um dos pontos de vista que se adote, implica em escolha, e em atribuir maior ou menor valor a um marco econômico (1808), a um marco político (1822) ou marco nacionalista (1831). Além disso, é importante ressaltar que neste breve histórico as camadas mais pobres da população não estão presentes, e isto não se deve a nenhum lapso de nossa parte, mas sim ao fato que esses extratos mais desfavorecidos da sociedade sempre foram colocados à margem da vida política do país, porque no Brasil não nos habituamos ainda a associar a idéia de nação independente à idéia da busca pela inclusão social.
Sugerimos então uma reflexão, não quanto a datas, mas quanto à sua efetivação. Uma Nação livre se faz com cidadãos sabedores das necessidades e das dificuldades de seu país, mas também conscientes da sua grandeza. Independência não se faz só nas fronteiras, porém, especialmente na autonomia das pessoas. Independência não se faz por decretos, mas se constrói nas salas de aula.


Bibliografia

CALMON, Pedro. História do Brasil. Vol.5. Rio de Janeiro: José Olympio, 1961.
PRADO JR. Caio. História Econômica do Brasil. 39 ed. São Paulo: Brasiliense, 1992.
______. Evolução Política do Brasil Colônia e Império. 19 ed. São Paulo: Brasiliense, 1991.


Diamantino F. Trindade é professor de História da Ciência e Divulgação Científica do IFSP.

Lais dos Santos Pinto Trindade é doutoranda em História da Ciência pela PUC-SP.

Luis Felipe dos Santos Pinto Garcia é bacharel em História pela USP.
AS MULHERES E O DINAMISMO MATRIARCAL

Diamantino Fernandes Trindade
Professor de História da Ciência e Divulgação Científica do IFSP
Doutor em Educação pela PUC-SP

Ana Paula Pires Trindade
Professora e Coordenadora da Escola de Idiomas WizardPós-graduada em Psicopedagogia pela Universidade São Marcos


Resumo

Neste artigo faremos uma abordagem das conquistas das mulheres em diversos setores , bem como a importância do dinamismo matriarcal na sociedade atual. No final do século XIX, algumas mulheres iniciaram uma ruptura com o dinamismo patriarcal e fizeram história no âmbito da Ciência, sendo que Marie Curie foi a primeira mulher a receber o Prêmio Nobel, abrindo o caminho para outras pudessem se destacar na Ciência e em outras áreas do conhecimento.

Palavras-chave: ciência, dinamismo, subjetividade


Abstract

In this article we will make a boarding of the conquests of the women in diverse sectors, as well as the importance of the matriarcal dynamism in the current society. In the end of century XIX, some women had initiated a rupture with the patriarcal dynamism and had made history in the scope of Science, having been that Marie Curie was the first woman to receive the Nobel Prize, opening the way for that others could be stand out in the Science and other areas of the knowledge.

Key words: science, dynamism, subjectivity


Todos os sistemas humanos de organização são construções culturais. Os comportamentos e as relações sociais são condicionados por normas e costumes elaborados pelos seres humanos. No entanto, enquanto o homem é associado à técnica, a abstração e a cultura, a mulher é associada à natureza. Francis Bacon fazia tal associação e preconizava que conhecer a natureza significava saber como dominá-la, explorá-la e colocá-la a serviço do homem, ou seja, conforme suas palavras: a natureza tem de ser acossada em suas vadiagens, sujeitada a prestar serviços, como uma escrava e o objetivo do filósofo natural é arrancar sob tortura, os seus segredos. Algumas de suas nefastas ações levaram para a fogueira muitas mulheres acusadas de praticar bruxaria e magia. Talvez ele nunca tenha parado para pensar que a maior de todas as magias só pode ser feita pelas mulheres: dar à luz. Por que será que ele desenvolveu essa fobia pelo sexo feminino???. Essa identificação simbólica da mulher com a natureza tem sido usada, ao longo do tempo, para mantê-la numa situação de ser subalterno. Porém as coisas nem sempre ocorreram desta maneira. Engels (1974) diz que nas sociedades primitivas a mulher tinha um papel relevante, pois mesmo ocorrendo a divisão do trabalho por sexos, esta era complementar e não implicava uma relação de subalternidade.
Em função desta associação com a natureza, historicamente, foram atribuídas a ela as tarefas domésticas, da alimentação e da criação dos filhos, ficando para o homem as funções públicas. Enquanto essas divisões de trabalho ocorriam de maneira equalizada no nível de importância social, a mulher não sofria discriminações nem era relegada a uma posição inferior. No olhar de Brabo (2005), a partir do momento em que houve divisão entre público e privado, iniciou-se o jogo de interesses, a relação de poder, o acúmulo de riquezas, e a mulher passou a ser definida dentro desta concepção, ou seja, o homem como proprietário, o senhor, e a mulher como a sua propriedade, sua dependente.
Numa época em que não eram consideradas cidadãs, sabe-se que as mulheres sempre trabalharam, assumindo um papel importante no desenvolvimento das cidades medievais e o seu trabalho foi também importante nas primeiras industrias. Nos séculos que antecederam o século XIX burguês elas foram excluídas dos direitos do cidadão, pois a universalidade dos mesmos não as incluiu. O acesso à universidade e mesmo a outros graus de escolaridade era praticamente restrito a poucas mulheres. No período da Revolução Francesa uma mulher teve grande destaque: Olympe de Gourges sugeria que deveria haver co-presença política e social de homens e mulheres e uma mesma dignidade para ambos os sexos. Reivindicava o direito de exercer uma profissão além de lutar pela abolição da escravidão negra e da pena de morte e também uma atenção maior a maternidade. Apesar da forte resistência masculina, as mulheres francesas conquistaram alguns direitos e a semente do feminismo começou a germinar com a criação de associações de mulheres revolucionárias. Em 1789, Olympe e mais 374 mulheres foram guilhotinadas, acusadas de comportamento masculino e esquecimento das virtudes do sexo feminino.
As conquistas femininas foram marcadas por avanços e retrocessos. Durante o século XIX as diferenças de tratamento entre o homem e a mulher, no mercado de trabalho e no âmbito social foram se tornando mais acentuadas. As mulheres recebiam salários menores e eram colocadas em segundo plano nos processos de decisão, nos locais de trabalho, nos sindicatos e nos partidos políticos. Eram ainda obrigadas a trabalhar em jornada dupla além de se submeterem às precárias leis de proteção à maternidade.
Em 8 de março de 1875, 129 trabalhadoras de uma indústria de tecidos de New York morreram queimadas na fábrica após um protesto contra as precárias condições de trabalho, redução da jornada de trabalho e igualdade salarial com os homens. Em 1975, a ONU oficializou o dia 8 de março como o Dia Internacional da Mulher.
Queremos, neste texto, homenagear as mulheres através do relato de alguns feitos notáveis de algumas delas nos campos da Ciência, da Educação e do conhecimento em geral. A explicação de alguns conceitos filosóficos é necessária para melhor entender o que vamos escrever. No século XVII surgiu na Filosofia uma ramificação denominada epistemologia que, pode ser entendida como o estudo crítico dos princípios, hipóteses e resultados de diversas ciências. De acordo com Hessen (2000), no conhecimento encontram-se frente a frente a consciência e o objeto, o sujeito e o objeto.
Historicamente, da epistemologia surgem três aspectos sobre o papel do cientista (sujeito) para introduzir conhecimento: o empirismo, o racionalismo e o interacionismo. No empirismo, relacionado aos nomes de Bacon, Locke e Hobbes, parte-se do pressuposto da primazia do objeto em relação ao sujeito. Assim, neste aspecto o cientista assume um papel passivo, pois a principal fonte do conhecimento reside no objeto. No racionalismo, relacionado a Descartes e Leibniz, supõe-se a primazia do sujeito em relação ao objeto, já que toma a razão, a capacidade humana de pensar, avaliar, conceber relações entre determinados elementos como principal fonte de conhecimento. Já no interacionismo, o conhecimento produzido é o resultado de interiorizações mantidas como realidade. Neste caso, as verdades da Ciência seriam então, históricas e, nunca neutras.
Para Einstein (1981), o observador que pretenda observar uma pedra, na realidade observa, se quisermos acreditar na Física, as impressões da pedra sobre ele próprio. Por isso a Ciência parece estar em contradição consigo mesma: quando se considera objetiva, mergulha contra a vontade na subjetividade.
O empirismo e o racionalismo causam um profundo afastamento entre a razão e a emoção, o objetivo do subjetivo, o corpo do espírito, característicos de uma sociedade patriarcalista. Para Furlanetto (2001), o dinamismo patriarcal, devido à sua grande capacidade de abstração, possibilitou a organização das normas e dos limites, o afastamento do ser humano de seu corpo e de suas emoções. No dinamismo patriarcal, para conhecer é necessário um afastamento do objeto a ser estudado e do conhecimento em totalidade. Limita as interações, as transformações e a criatividade. Já o dinamismo matriarcal possibilita uma proximidade entre o “eu” e o “outro”. Neste dinamismo, o aprender não resulta em afastar-se do objeto a ser conhecido, mas interagir com ele para que a partir dessa simbiose, possa ser captado em sua totalidade. Com o modo não-dual de conhecer, o conhecedor se sente em comunhão com tudo o que é conhecido.
Ao longo do tempo algumas mulheres ignoraram o dinamismo patriarcal castrador e mergulharam, sem medo, no dinamismo matriarcal. Uma delas foi a polonesa Marie Curie que, juntamente com homens associados a esse dinamismo, como Pierre Curie e Henry Becquerel, abriram o caminho para o entendimento da radioatividade. Estabeleceram uma nova técnica para o estudo das substâncias radioativas. Em 1898, descobriram o elemento polônio e foram laureados com o Prêmio Nobel de Física. Quando do falecimento do seu esposo Pierre Curie, tornou-se a primeira mulher a ocupar uma cátedra na Universidade de Paris que antes era ocupada por ele. Em 1911, Marie Curie foi novamente laureada com o Prêmio Nobel, desta vez de Química, pela descoberta do elemento químico rádio. Durante a Primeira Guerra Mundial orientou a construção de veículos dotados de aparelhos de raios-X que eram utilizados para a detecção de fraturas dos soldados no campo de batalha. Ela era uma das pessoas que dirigia os veículos carinhosamente chamados de “os pequenos Curies”.
Outra mulher importante no campo científico foi Lise Meitner, física austríaca que, em 1939, juntamente com Otto Frisch, descobriu como funcionava o processo da fissão nuclear. Durante a Segunda Guerra Mundial foi convidada para fazer parte do Projeto Manhattan da fabricação da bomba atômica. A sua descoberta foi fundamental para o desenvolvimento do terrível artefato nuclear, porém como era pacifista recusou-se a participar de qualquer projeto para a fabricação da bomba. Após a guerra seu valor foi reconhecido e recebeu prêmios importantes como o Fermi, a medalha Max Planck e a medalha Leibniz. Em 1992, o elemento 109, produzido em reatores nucleares, recebeu o nome de Meitnério pela União Internacional de Química Pura e Aplicada.
Infelizmente nem sempre a carreira das mulheres na Ciência é algo fácil. O dinamismo patriarcal machista e preconceituoso tem causado vários dissabores às cientistas. Em 2006, o reitor da Universidade de Harvard, Lawrence Summers, causou polêmica entre os acadêmicos quando sugeriu que as mulheres possuem menor capacidade em Ciência e em Matemática do que os homens. Summers disse que a teoria de que os homens são naturalmente mais capazes que as mulheres em ciências é fundamentada em uma pesquisa e não em sua opinião pessoal. Leda Cosmides, psicóloga da Universidade da Califórnia em Santa Bárbara, respondeu aos comentários de Summers dizendo que a evolução de fato forjou diferenças no modo de pensar e agir de homens e mulheres, porém tais diferenças não ajudam a explicar o porquê de haver mais pessoas do sexo masculino do que femininas em carreiras ligadas a Matemática e ciências exatas. Ao lembrar de Marie Curie e Lise Meitner, duas entre muitas brilhantes cientistas, percebe-se como foram infelizes as declarações de Mr. Summers.
É oportuno lembrar que em muitas situações as mulheres demonstram maior habilidade do que os homens no trato com determinadas máquinas, uma inegável evidência que as mãos femininas, afeitas aos trabalhos domésticos, podem também lidar com um torno com a mesma habilidade com que bordam e costuram. Ao comentar o preconceito machista do seu pai, Lygia Fagundes Telles cita a famosa frase irônica de Freud: Mas afinal o que querem as mulheres? Diz então: da minha parte eu quero apenas entrar para a Faculdade de Direito do largo do São Francisco, respondi ao meu pai. Lembrei ainda que poderia trabalhar para pagar esses estudos.
Em nosso país o acesso das mulheres às universidades tornou-se realidade apenas no século XX. Em 1837, foi criado no Rio de Janeiro, o Colégio D. Pedro II, uma escola oficial que deveria atender a uma nova proposta: era exclusivo para rapazes e considerado padrão em excelência. Um ano depois, Nísia Floresta fundou, na mesma cidade, o Colégio Augusto Comte que causou polêmicas, por instituir uma educação feminina totalmente inovadora para a época. Funcionou por 17 anos ensinando francês, inglês, italiano, geografia, história e educação física. Por se insubordinar contra a mentalidade patriarcal hegemônica da época, ao manter uma escola que se preocupava mais com a instrução do que o bordado e a costura foi duramente atacada por seus contemporâneos adeptos do dinamismo patriarcal. Numa época em que o ensino superior era proibido para mulheres, a primeira brasileira médica formou-se no New York Medical College e, curiosamente, sob o patrocínio do próprio Imperador. Felizmente, com o passar do tempo, a situação foi mudando e hoje as mulheres trabalham e estudam em igualdade de condições com os homens em todos os níveis escolares.
Infelizmente ainda não é possível dizer que ao lado de uma grande mulher existe sempre um grande homem.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRABO, Tânia Suely Antonelli Marcelino. Cidadania da Mulher Professora. São Paulo: Ícone, 2004.
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