AS INDEPENDÊNCIAS DO BRASIL
Diamantino Fernandes Trindade
Lais dos Santos Pinto Trindade
Luiz Felipe dos Santos Pinto Garcia
São Paulo, 7 de setembro de 1822. Às margens do rio Ipiranga, D. Pedro, príncipe-regente do Brasil, herdeiro do trono português, proclamou a denominada independência do Brasil. É a partir deste fato incontestável da história de nosso país que pretendemos iniciar essa discussão sobre a validade dos chamados fatos históricos, que na verdade não existem, restando deles apenas as suas mais variadas versões, subordinados aos mais variados interesses.
Apesar de ser uma data comemorativa e significativa para os brasileiros, não é nossa intenção apenas louvar tal fato, mas sim colocar para vocês uma reflexão sobre o significado da nossa independência, não como um acontecimento isolado, surgido de um rompante de insubordinação passional e romântico de um jovem descompromissado com a vida e com os destinos da nação que se formava, ao contrário, foi como veremos, um processo, e uma conquista. Por isso nossa independência consolidou-se de forma totalmente diferente da América espanhola, que se fragmentou em vários países. Aqui mantivemos nossa unidade em torno da figura do imperador, que, contudo, era verdadeiro, humano e generoso. Seu lema “independência ou morte” portanto nada se parece com “exportar ou morrer” dos governantes de hoje.
Em primeiro lugar, vamos tentar antecipar a data da independência em alguns anos. Para isto, vamos apenas abandonar, pelo menos por um momento, os marcos cronológicos oficiais da história e tentar refletir um pouco sobre o processo de separação do Brasil em relação a Portugal. É sabido por todos que em 1808 a família real portuguesa desembarcou no Brasil, devido à invasão napoleônica. Pois bem, a partir deste momento a sede do Império português passou a ser o Brasil. Mais do que isso, logo no ano de sua chegada o príncipe regente D. João, que governava no lugar de sua mãe, considerada mentalmente incapaz, assinou o tratado que entrou para história com o sugestivo nome de Abertura dos Portos às Nações Amigas, ou seja, à Inglaterra. Até aqui, já temos dois fatores importantes para reflexão. Em primeiro lugar, com a vinda da família real para o Brasil, paulatinamente a estrutura da administração colonial foi sendo substituída por uma estrutura administrativa de uma nação politicamente autônoma. Além disso, a abertura dos portos rompeu a principal amarra econômica que prendia o Brasil a Portugal: o monopólio. Acabado o monopólio, ou seja, o dever do Brasil exportar seus produtos somente para Portugal, estava acabado também o Pacto Colonial. Pelo menos economicamente o Brasil já era independente.
Neste momento, pensamos ser importante mostrar a opinião, sobre este assunto polêmico, de um dos maiores historiadores brasileiros. Caio Prado Jr. (1991) nos diz que “o certo é que se os marcos cronológicos com que os historiadores assinalam a evolução social e política dos povos não se estribassem unicamente nos caracteres externos e formais dos fatos, mas refletissem sua significação íntima, a independência brasileira seria antecipada em quatorze anos, se contaria justamente da transferência da corte em 1808. Estabelecendo no Brasil a sede da monarquia, o regente aboliu ipso facto o regime de colônia em que o país até então vivera. Todos os caracteres de tal regime desapareceram, restando apenas a circunstância de continuar à sua frente um governo estranho. São abolidas, uma atrás da outra, as velhas engrenagens da administração colonial, e substituídas por outras já de uma nação soberana. Caem as restrições econômicas e passam para um primeiro plano das cogitações políticas do governo os interesses do país. São esses efeitos diretos e imediatos da chegada da corte. Naquele mesmo ano de 1808 são adotadas” mais ou menos” todas as medidas que mesmo um governo propriamente nacional não poderia ultrapassar. Caio Prado Jr. (1992) ressalta dois fatores fundamentais para justificar que o ano de 1808 deveria ser considerado como o ano da independência do Brasil: os fatores administrativos e os fatores econômicos. Poderia aqui se utilizar do argumento que a maioria da população brasileira não foi atingida por essas medidas. Isso é verdade, mas o 7 de setembro talvez tenha passado ainda mais desapercebido.
A data oficial da independência do Brasil poderia ser considerada como o marco político final do processo de emancipação, que em termos administrativos e econômicos já havia acabado ou estava em vias de acabar. Mas não pretendemos nos alongar na descrição do contexto em que D. Pedro proclamou a independência, já que este é conhecido por todos. Mas, de novo a pergunta, será que em 1822 a maioria da população brasileira sabia o que estava acontecendo? A resposta é a mesma. A maioria da população brasileira não tinha a mínima noção do que estava acontecendo. Primeiro porque desde os primórdios da colonização, a maior parte da população estava marginalizada do processo político e em segundo porque a grande quantidade de analfabetos dificultava a circulação das informações. Outro ponto fundamental é analisar como a independência mudou a vida dessas pessoas. Aqui também a resposta não é muito difícil: para a maioria, a independência política do Brasil não mudou em nada a sua situação. Os escravos continuavam escravos e os pobres continuavam pobres. E para a aristocracia? Bom, as amarras econômicas que tanto incomodavam as elites já haviam sido quebradas em 1808; a diferença é que a partir da independência poderiam intervir de maneira mais direta no poder central, e é claro que isso foi uma grande vantagem para a aristocracia brasileira.
Mas ainda existia um problema, que não passou desapercebido por uma parcela da população brasileira: D. Pedro (agora I) era o herdeiro do trono português, e quando D. João morresse existia o risco de novamente as coroas de Brasil e Portugal voltarem a se unir. Este risco tornou-se evidente a partir de 1826 quando D. Pedro começou a brigar com seu irmão D. Miguel pela sucessão do trono português, com a morte de D. JoãoVI. Essa e outras atitudes de D. Pedro acabaram por minar sua popularidade, já deteriorada pela sua tirania. Essa situação chegou num ponto extremo em 1831 levando-o à abdicação, por temer que uma revolução tomasse o poder e alterasse de maneira radical as estruturas do país, fato que nem ele e nem as elites que o apoiavam queriam que ocorresse. Alguns historiadores consideram 7 de março de 1831 a data da independência definitiva do Brasil, pois a partir daí estava praticamente descartada qualquer possibilidade de reunificação das duas coroas já que o filho de D Pedro havia nascido no Brasil e o governo regencial, previsto na Constituição, já que o herdeiro do trono ainda não tinha completado nem cinco anos, seria formado por senadores brasileiros. Portanto, para esses historiadores, o marco da abdicação corresponde à independência definitiva do Brasil por dois motivos: primeiro estava excluída a possibilidade de reunificação das duas coroas e segundo porque o governo agora seria formado por brasileiros.
Entre os três marcos históricos aqui discutidos, este último foi o que teve mais impacto quando ocorreu, já que o xenofobismo em relação ao português era muito forte no Brasil e disseminado por praticamente todas as camadas da população e é bem provável que não poupava nem o primeiro imperador do Brasil.
Muitos de vocês devem estar se perguntando qual é a importância dessa discussão. Se ela não é apenas uma discussão teórica para historiadores. Na nossa opinião, não. Muito mais que uma discussão puramente acadêmica esta é uma discussão ideológica. Afinal, qualquer um dos pontos de vista que se adote, implica em escolha, e em atribuir maior ou menor valor a um marco econômico (1808), a um marco político (1822) ou marco nacionalista (1831). Além disso, é importante ressaltar que neste breve histórico as camadas mais pobres da população não estão presentes, e isto não se deve a nenhum lapso de nossa parte, mas sim ao fato que esses extratos mais desfavorecidos da sociedade sempre foram colocados à margem da vida política do país, porque no Brasil não nos habituamos ainda a associar a idéia de nação independente à idéia da busca pela inclusão social.
Sugerimos então uma reflexão, não quanto a datas, mas quanto à sua efetivação. Uma Nação livre se faz com cidadãos sabedores das necessidades e das dificuldades de seu país, mas também conscientes da sua grandeza. Independência não se faz só nas fronteiras, porém, especialmente na autonomia das pessoas. Independência não se faz por decretos, mas se constrói nas salas de aula.
Bibliografia
CALMON, Pedro. História do Brasil. Vol.5. Rio de Janeiro: José Olympio, 1961.
PRADO JR. Caio. História Econômica do Brasil. 39 ed. São Paulo: Brasiliense, 1992.
______. Evolução Política do Brasil Colônia e Império. 19 ed. São Paulo: Brasiliense, 1991.
Diamantino F. Trindade é professor de História da Ciência e Divulgação Científica do IFSP.
Lais dos Santos Pinto Trindade é doutoranda em História da Ciência pela PUC-SP.
Luis Felipe dos Santos Pinto Garcia é bacharel em História pela USP.
sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009
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Um comentário:
Parabéns pelo post. Explica de forma clara o conceito da independência brasileira. Abraço!
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