AS INDEPENDÊNCIAS DO BRASIL
Diamantino Fernandes Trindade
Lais dos Santos Pinto Trindade
Luiz Felipe dos Santos Pinto Garcia
São Paulo, 7 de setembro de 1822. Às margens do rio Ipiranga, D. Pedro, príncipe-regente do Brasil, herdeiro do trono português, proclamou a denominada independência do Brasil. É a partir deste fato incontestável da história de nosso país que pretendemos iniciar essa discussão sobre a validade dos chamados fatos históricos, que na verdade não existem, restando deles apenas as suas mais variadas versões, subordinados aos mais variados interesses.
Apesar de ser uma data comemorativa e significativa para os brasileiros, não é nossa intenção apenas louvar tal fato, mas sim colocar para vocês uma reflexão sobre o significado da nossa independência, não como um acontecimento isolado, surgido de um rompante de insubordinação passional e romântico de um jovem descompromissado com a vida e com os destinos da nação que se formava, ao contrário, foi como veremos, um processo, e uma conquista. Por isso nossa independência consolidou-se de forma totalmente diferente da América espanhola, que se fragmentou em vários países. Aqui mantivemos nossa unidade em torno da figura do imperador, que, contudo, era verdadeiro, humano e generoso. Seu lema “independência ou morte” portanto nada se parece com “exportar ou morrer” dos governantes de hoje.
Em primeiro lugar, vamos tentar antecipar a data da independência em alguns anos. Para isto, vamos apenas abandonar, pelo menos por um momento, os marcos cronológicos oficiais da história e tentar refletir um pouco sobre o processo de separação do Brasil em relação a Portugal. É sabido por todos que em 1808 a família real portuguesa desembarcou no Brasil, devido à invasão napoleônica. Pois bem, a partir deste momento a sede do Império português passou a ser o Brasil. Mais do que isso, logo no ano de sua chegada o príncipe regente D. João, que governava no lugar de sua mãe, considerada mentalmente incapaz, assinou o tratado que entrou para história com o sugestivo nome de Abertura dos Portos às Nações Amigas, ou seja, à Inglaterra. Até aqui, já temos dois fatores importantes para reflexão. Em primeiro lugar, com a vinda da família real para o Brasil, paulatinamente a estrutura da administração colonial foi sendo substituída por uma estrutura administrativa de uma nação politicamente autônoma. Além disso, a abertura dos portos rompeu a principal amarra econômica que prendia o Brasil a Portugal: o monopólio. Acabado o monopólio, ou seja, o dever do Brasil exportar seus produtos somente para Portugal, estava acabado também o Pacto Colonial. Pelo menos economicamente o Brasil já era independente.
Neste momento, pensamos ser importante mostrar a opinião, sobre este assunto polêmico, de um dos maiores historiadores brasileiros. Caio Prado Jr. (1991) nos diz que “o certo é que se os marcos cronológicos com que os historiadores assinalam a evolução social e política dos povos não se estribassem unicamente nos caracteres externos e formais dos fatos, mas refletissem sua significação íntima, a independência brasileira seria antecipada em quatorze anos, se contaria justamente da transferência da corte em 1808. Estabelecendo no Brasil a sede da monarquia, o regente aboliu ipso facto o regime de colônia em que o país até então vivera. Todos os caracteres de tal regime desapareceram, restando apenas a circunstância de continuar à sua frente um governo estranho. São abolidas, uma atrás da outra, as velhas engrenagens da administração colonial, e substituídas por outras já de uma nação soberana. Caem as restrições econômicas e passam para um primeiro plano das cogitações políticas do governo os interesses do país. São esses efeitos diretos e imediatos da chegada da corte. Naquele mesmo ano de 1808 são adotadas” mais ou menos” todas as medidas que mesmo um governo propriamente nacional não poderia ultrapassar. Caio Prado Jr. (1992) ressalta dois fatores fundamentais para justificar que o ano de 1808 deveria ser considerado como o ano da independência do Brasil: os fatores administrativos e os fatores econômicos. Poderia aqui se utilizar do argumento que a maioria da população brasileira não foi atingida por essas medidas. Isso é verdade, mas o 7 de setembro talvez tenha passado ainda mais desapercebido.
A data oficial da independência do Brasil poderia ser considerada como o marco político final do processo de emancipação, que em termos administrativos e econômicos já havia acabado ou estava em vias de acabar. Mas não pretendemos nos alongar na descrição do contexto em que D. Pedro proclamou a independência, já que este é conhecido por todos. Mas, de novo a pergunta, será que em 1822 a maioria da população brasileira sabia o que estava acontecendo? A resposta é a mesma. A maioria da população brasileira não tinha a mínima noção do que estava acontecendo. Primeiro porque desde os primórdios da colonização, a maior parte da população estava marginalizada do processo político e em segundo porque a grande quantidade de analfabetos dificultava a circulação das informações. Outro ponto fundamental é analisar como a independência mudou a vida dessas pessoas. Aqui também a resposta não é muito difícil: para a maioria, a independência política do Brasil não mudou em nada a sua situação. Os escravos continuavam escravos e os pobres continuavam pobres. E para a aristocracia? Bom, as amarras econômicas que tanto incomodavam as elites já haviam sido quebradas em 1808; a diferença é que a partir da independência poderiam intervir de maneira mais direta no poder central, e é claro que isso foi uma grande vantagem para a aristocracia brasileira.
Mas ainda existia um problema, que não passou desapercebido por uma parcela da população brasileira: D. Pedro (agora I) era o herdeiro do trono português, e quando D. João morresse existia o risco de novamente as coroas de Brasil e Portugal voltarem a se unir. Este risco tornou-se evidente a partir de 1826 quando D. Pedro começou a brigar com seu irmão D. Miguel pela sucessão do trono português, com a morte de D. JoãoVI. Essa e outras atitudes de D. Pedro acabaram por minar sua popularidade, já deteriorada pela sua tirania. Essa situação chegou num ponto extremo em 1831 levando-o à abdicação, por temer que uma revolução tomasse o poder e alterasse de maneira radical as estruturas do país, fato que nem ele e nem as elites que o apoiavam queriam que ocorresse. Alguns historiadores consideram 7 de março de 1831 a data da independência definitiva do Brasil, pois a partir daí estava praticamente descartada qualquer possibilidade de reunificação das duas coroas já que o filho de D Pedro havia nascido no Brasil e o governo regencial, previsto na Constituição, já que o herdeiro do trono ainda não tinha completado nem cinco anos, seria formado por senadores brasileiros. Portanto, para esses historiadores, o marco da abdicação corresponde à independência definitiva do Brasil por dois motivos: primeiro estava excluída a possibilidade de reunificação das duas coroas e segundo porque o governo agora seria formado por brasileiros.
Entre os três marcos históricos aqui discutidos, este último foi o que teve mais impacto quando ocorreu, já que o xenofobismo em relação ao português era muito forte no Brasil e disseminado por praticamente todas as camadas da população e é bem provável que não poupava nem o primeiro imperador do Brasil.
Muitos de vocês devem estar se perguntando qual é a importância dessa discussão. Se ela não é apenas uma discussão teórica para historiadores. Na nossa opinião, não. Muito mais que uma discussão puramente acadêmica esta é uma discussão ideológica. Afinal, qualquer um dos pontos de vista que se adote, implica em escolha, e em atribuir maior ou menor valor a um marco econômico (1808), a um marco político (1822) ou marco nacionalista (1831). Além disso, é importante ressaltar que neste breve histórico as camadas mais pobres da população não estão presentes, e isto não se deve a nenhum lapso de nossa parte, mas sim ao fato que esses extratos mais desfavorecidos da sociedade sempre foram colocados à margem da vida política do país, porque no Brasil não nos habituamos ainda a associar a idéia de nação independente à idéia da busca pela inclusão social.
Sugerimos então uma reflexão, não quanto a datas, mas quanto à sua efetivação. Uma Nação livre se faz com cidadãos sabedores das necessidades e das dificuldades de seu país, mas também conscientes da sua grandeza. Independência não se faz só nas fronteiras, porém, especialmente na autonomia das pessoas. Independência não se faz por decretos, mas se constrói nas salas de aula.
Bibliografia
CALMON, Pedro. História do Brasil. Vol.5. Rio de Janeiro: José Olympio, 1961.
PRADO JR. Caio. História Econômica do Brasil. 39 ed. São Paulo: Brasiliense, 1992.
______. Evolução Política do Brasil Colônia e Império. 19 ed. São Paulo: Brasiliense, 1991.
Diamantino F. Trindade é professor de História da Ciência e Divulgação Científica do IFSP.
Lais dos Santos Pinto Trindade é doutoranda em História da Ciência pela PUC-SP.
Luis Felipe dos Santos Pinto Garcia é bacharel em História pela USP.
sexta-feira, 13 de fevereiro de 2009
AS MULHERES E O DINAMISMO MATRIARCAL
Diamantino Fernandes Trindade
Professor de História da Ciência e Divulgação Científica do IFSP
Doutor em Educação pela PUC-SP
Ana Paula Pires Trindade
Professora e Coordenadora da Escola de Idiomas WizardPós-graduada em Psicopedagogia pela Universidade São Marcos
Resumo
Neste artigo faremos uma abordagem das conquistas das mulheres em diversos setores , bem como a importância do dinamismo matriarcal na sociedade atual. No final do século XIX, algumas mulheres iniciaram uma ruptura com o dinamismo patriarcal e fizeram história no âmbito da Ciência, sendo que Marie Curie foi a primeira mulher a receber o Prêmio Nobel, abrindo o caminho para outras pudessem se destacar na Ciência e em outras áreas do conhecimento.
Palavras-chave: ciência, dinamismo, subjetividade
Abstract
In this article we will make a boarding of the conquests of the women in diverse sectors, as well as the importance of the matriarcal dynamism in the current society. In the end of century XIX, some women had initiated a rupture with the patriarcal dynamism and had made history in the scope of Science, having been that Marie Curie was the first woman to receive the Nobel Prize, opening the way for that others could be stand out in the Science and other areas of the knowledge.
Key words: science, dynamism, subjectivity
Todos os sistemas humanos de organização são construções culturais. Os comportamentos e as relações sociais são condicionados por normas e costumes elaborados pelos seres humanos. No entanto, enquanto o homem é associado à técnica, a abstração e a cultura, a mulher é associada à natureza. Francis Bacon fazia tal associação e preconizava que conhecer a natureza significava saber como dominá-la, explorá-la e colocá-la a serviço do homem, ou seja, conforme suas palavras: a natureza tem de ser acossada em suas vadiagens, sujeitada a prestar serviços, como uma escrava e o objetivo do filósofo natural é arrancar sob tortura, os seus segredos. Algumas de suas nefastas ações levaram para a fogueira muitas mulheres acusadas de praticar bruxaria e magia. Talvez ele nunca tenha parado para pensar que a maior de todas as magias só pode ser feita pelas mulheres: dar à luz. Por que será que ele desenvolveu essa fobia pelo sexo feminino???. Essa identificação simbólica da mulher com a natureza tem sido usada, ao longo do tempo, para mantê-la numa situação de ser subalterno. Porém as coisas nem sempre ocorreram desta maneira. Engels (1974) diz que nas sociedades primitivas a mulher tinha um papel relevante, pois mesmo ocorrendo a divisão do trabalho por sexos, esta era complementar e não implicava uma relação de subalternidade.
Em função desta associação com a natureza, historicamente, foram atribuídas a ela as tarefas domésticas, da alimentação e da criação dos filhos, ficando para o homem as funções públicas. Enquanto essas divisões de trabalho ocorriam de maneira equalizada no nível de importância social, a mulher não sofria discriminações nem era relegada a uma posição inferior. No olhar de Brabo (2005), a partir do momento em que houve divisão entre público e privado, iniciou-se o jogo de interesses, a relação de poder, o acúmulo de riquezas, e a mulher passou a ser definida dentro desta concepção, ou seja, o homem como proprietário, o senhor, e a mulher como a sua propriedade, sua dependente.
Numa época em que não eram consideradas cidadãs, sabe-se que as mulheres sempre trabalharam, assumindo um papel importante no desenvolvimento das cidades medievais e o seu trabalho foi também importante nas primeiras industrias. Nos séculos que antecederam o século XIX burguês elas foram excluídas dos direitos do cidadão, pois a universalidade dos mesmos não as incluiu. O acesso à universidade e mesmo a outros graus de escolaridade era praticamente restrito a poucas mulheres. No período da Revolução Francesa uma mulher teve grande destaque: Olympe de Gourges sugeria que deveria haver co-presença política e social de homens e mulheres e uma mesma dignidade para ambos os sexos. Reivindicava o direito de exercer uma profissão além de lutar pela abolição da escravidão negra e da pena de morte e também uma atenção maior a maternidade. Apesar da forte resistência masculina, as mulheres francesas conquistaram alguns direitos e a semente do feminismo começou a germinar com a criação de associações de mulheres revolucionárias. Em 1789, Olympe e mais 374 mulheres foram guilhotinadas, acusadas de comportamento masculino e esquecimento das virtudes do sexo feminino.
As conquistas femininas foram marcadas por avanços e retrocessos. Durante o século XIX as diferenças de tratamento entre o homem e a mulher, no mercado de trabalho e no âmbito social foram se tornando mais acentuadas. As mulheres recebiam salários menores e eram colocadas em segundo plano nos processos de decisão, nos locais de trabalho, nos sindicatos e nos partidos políticos. Eram ainda obrigadas a trabalhar em jornada dupla além de se submeterem às precárias leis de proteção à maternidade.
Em 8 de março de 1875, 129 trabalhadoras de uma indústria de tecidos de New York morreram queimadas na fábrica após um protesto contra as precárias condições de trabalho, redução da jornada de trabalho e igualdade salarial com os homens. Em 1975, a ONU oficializou o dia 8 de março como o Dia Internacional da Mulher.
Queremos, neste texto, homenagear as mulheres através do relato de alguns feitos notáveis de algumas delas nos campos da Ciência, da Educação e do conhecimento em geral. A explicação de alguns conceitos filosóficos é necessária para melhor entender o que vamos escrever. No século XVII surgiu na Filosofia uma ramificação denominada epistemologia que, pode ser entendida como o estudo crítico dos princípios, hipóteses e resultados de diversas ciências. De acordo com Hessen (2000), no conhecimento encontram-se frente a frente a consciência e o objeto, o sujeito e o objeto.
Historicamente, da epistemologia surgem três aspectos sobre o papel do cientista (sujeito) para introduzir conhecimento: o empirismo, o racionalismo e o interacionismo. No empirismo, relacionado aos nomes de Bacon, Locke e Hobbes, parte-se do pressuposto da primazia do objeto em relação ao sujeito. Assim, neste aspecto o cientista assume um papel passivo, pois a principal fonte do conhecimento reside no objeto. No racionalismo, relacionado a Descartes e Leibniz, supõe-se a primazia do sujeito em relação ao objeto, já que toma a razão, a capacidade humana de pensar, avaliar, conceber relações entre determinados elementos como principal fonte de conhecimento. Já no interacionismo, o conhecimento produzido é o resultado de interiorizações mantidas como realidade. Neste caso, as verdades da Ciência seriam então, históricas e, nunca neutras.
Para Einstein (1981), o observador que pretenda observar uma pedra, na realidade observa, se quisermos acreditar na Física, as impressões da pedra sobre ele próprio. Por isso a Ciência parece estar em contradição consigo mesma: quando se considera objetiva, mergulha contra a vontade na subjetividade.
O empirismo e o racionalismo causam um profundo afastamento entre a razão e a emoção, o objetivo do subjetivo, o corpo do espírito, característicos de uma sociedade patriarcalista. Para Furlanetto (2001), o dinamismo patriarcal, devido à sua grande capacidade de abstração, possibilitou a organização das normas e dos limites, o afastamento do ser humano de seu corpo e de suas emoções. No dinamismo patriarcal, para conhecer é necessário um afastamento do objeto a ser estudado e do conhecimento em totalidade. Limita as interações, as transformações e a criatividade. Já o dinamismo matriarcal possibilita uma proximidade entre o “eu” e o “outro”. Neste dinamismo, o aprender não resulta em afastar-se do objeto a ser conhecido, mas interagir com ele para que a partir dessa simbiose, possa ser captado em sua totalidade. Com o modo não-dual de conhecer, o conhecedor se sente em comunhão com tudo o que é conhecido.
Ao longo do tempo algumas mulheres ignoraram o dinamismo patriarcal castrador e mergulharam, sem medo, no dinamismo matriarcal. Uma delas foi a polonesa Marie Curie que, juntamente com homens associados a esse dinamismo, como Pierre Curie e Henry Becquerel, abriram o caminho para o entendimento da radioatividade. Estabeleceram uma nova técnica para o estudo das substâncias radioativas. Em 1898, descobriram o elemento polônio e foram laureados com o Prêmio Nobel de Física. Quando do falecimento do seu esposo Pierre Curie, tornou-se a primeira mulher a ocupar uma cátedra na Universidade de Paris que antes era ocupada por ele. Em 1911, Marie Curie foi novamente laureada com o Prêmio Nobel, desta vez de Química, pela descoberta do elemento químico rádio. Durante a Primeira Guerra Mundial orientou a construção de veículos dotados de aparelhos de raios-X que eram utilizados para a detecção de fraturas dos soldados no campo de batalha. Ela era uma das pessoas que dirigia os veículos carinhosamente chamados de “os pequenos Curies”.
Outra mulher importante no campo científico foi Lise Meitner, física austríaca que, em 1939, juntamente com Otto Frisch, descobriu como funcionava o processo da fissão nuclear. Durante a Segunda Guerra Mundial foi convidada para fazer parte do Projeto Manhattan da fabricação da bomba atômica. A sua descoberta foi fundamental para o desenvolvimento do terrível artefato nuclear, porém como era pacifista recusou-se a participar de qualquer projeto para a fabricação da bomba. Após a guerra seu valor foi reconhecido e recebeu prêmios importantes como o Fermi, a medalha Max Planck e a medalha Leibniz. Em 1992, o elemento 109, produzido em reatores nucleares, recebeu o nome de Meitnério pela União Internacional de Química Pura e Aplicada.
Infelizmente nem sempre a carreira das mulheres na Ciência é algo fácil. O dinamismo patriarcal machista e preconceituoso tem causado vários dissabores às cientistas. Em 2006, o reitor da Universidade de Harvard, Lawrence Summers, causou polêmica entre os acadêmicos quando sugeriu que as mulheres possuem menor capacidade em Ciência e em Matemática do que os homens. Summers disse que a teoria de que os homens são naturalmente mais capazes que as mulheres em ciências é fundamentada em uma pesquisa e não em sua opinião pessoal. Leda Cosmides, psicóloga da Universidade da Califórnia em Santa Bárbara, respondeu aos comentários de Summers dizendo que a evolução de fato forjou diferenças no modo de pensar e agir de homens e mulheres, porém tais diferenças não ajudam a explicar o porquê de haver mais pessoas do sexo masculino do que femininas em carreiras ligadas a Matemática e ciências exatas. Ao lembrar de Marie Curie e Lise Meitner, duas entre muitas brilhantes cientistas, percebe-se como foram infelizes as declarações de Mr. Summers.
É oportuno lembrar que em muitas situações as mulheres demonstram maior habilidade do que os homens no trato com determinadas máquinas, uma inegável evidência que as mãos femininas, afeitas aos trabalhos domésticos, podem também lidar com um torno com a mesma habilidade com que bordam e costuram. Ao comentar o preconceito machista do seu pai, Lygia Fagundes Telles cita a famosa frase irônica de Freud: Mas afinal o que querem as mulheres? Diz então: da minha parte eu quero apenas entrar para a Faculdade de Direito do largo do São Francisco, respondi ao meu pai. Lembrei ainda que poderia trabalhar para pagar esses estudos.
Em nosso país o acesso das mulheres às universidades tornou-se realidade apenas no século XX. Em 1837, foi criado no Rio de Janeiro, o Colégio D. Pedro II, uma escola oficial que deveria atender a uma nova proposta: era exclusivo para rapazes e considerado padrão em excelência. Um ano depois, Nísia Floresta fundou, na mesma cidade, o Colégio Augusto Comte que causou polêmicas, por instituir uma educação feminina totalmente inovadora para a época. Funcionou por 17 anos ensinando francês, inglês, italiano, geografia, história e educação física. Por se insubordinar contra a mentalidade patriarcal hegemônica da época, ao manter uma escola que se preocupava mais com a instrução do que o bordado e a costura foi duramente atacada por seus contemporâneos adeptos do dinamismo patriarcal. Numa época em que o ensino superior era proibido para mulheres, a primeira brasileira médica formou-se no New York Medical College e, curiosamente, sob o patrocínio do próprio Imperador. Felizmente, com o passar do tempo, a situação foi mudando e hoje as mulheres trabalham e estudam em igualdade de condições com os homens em todos os níveis escolares.
Infelizmente ainda não é possível dizer que ao lado de uma grande mulher existe sempre um grande homem.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRABO, Tânia Suely Antonelli Marcelino. Cidadania da Mulher Professora. São Paulo: Ícone, 2004.
CLARK, George L. & HAWLEY, Gessner G. Enciclopédia de Química. Barcelona: Omega, 1961.
ENGELS, F. A origem da família, da propriedade e do Estado. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1974.
EINSTEIN, Albert. Como Vejo o Mundo. 21 ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1981.
FURLANETTO, Ecleide. A sala de aula interdisciplinar vista como um vaso alquímico. São Paulo: mimeo, 2001.
PRIORE, Mary Del (org.). História das Mulheres no Brasil. São Paulo: Contexto, 2004.
TRINDADE, Diamantino Fernandes. O Ponto de Mutação no Ensino das ciências. São Paulo: Madras, 2005.TRINDADE, Diamantino Fernandes & TRINDADE, Lais dos Santos Pinto. Os Caminhos da Ciência e os Caminhos da Edu
Diamantino Fernandes Trindade
Professor de História da Ciência e Divulgação Científica do IFSP
Doutor em Educação pela PUC-SP
Ana Paula Pires Trindade
Professora e Coordenadora da Escola de Idiomas WizardPós-graduada em Psicopedagogia pela Universidade São Marcos
Resumo
Neste artigo faremos uma abordagem das conquistas das mulheres em diversos setores , bem como a importância do dinamismo matriarcal na sociedade atual. No final do século XIX, algumas mulheres iniciaram uma ruptura com o dinamismo patriarcal e fizeram história no âmbito da Ciência, sendo que Marie Curie foi a primeira mulher a receber o Prêmio Nobel, abrindo o caminho para outras pudessem se destacar na Ciência e em outras áreas do conhecimento.
Palavras-chave: ciência, dinamismo, subjetividade
Abstract
In this article we will make a boarding of the conquests of the women in diverse sectors, as well as the importance of the matriarcal dynamism in the current society. In the end of century XIX, some women had initiated a rupture with the patriarcal dynamism and had made history in the scope of Science, having been that Marie Curie was the first woman to receive the Nobel Prize, opening the way for that others could be stand out in the Science and other areas of the knowledge.
Key words: science, dynamism, subjectivity
Todos os sistemas humanos de organização são construções culturais. Os comportamentos e as relações sociais são condicionados por normas e costumes elaborados pelos seres humanos. No entanto, enquanto o homem é associado à técnica, a abstração e a cultura, a mulher é associada à natureza. Francis Bacon fazia tal associação e preconizava que conhecer a natureza significava saber como dominá-la, explorá-la e colocá-la a serviço do homem, ou seja, conforme suas palavras: a natureza tem de ser acossada em suas vadiagens, sujeitada a prestar serviços, como uma escrava e o objetivo do filósofo natural é arrancar sob tortura, os seus segredos. Algumas de suas nefastas ações levaram para a fogueira muitas mulheres acusadas de praticar bruxaria e magia. Talvez ele nunca tenha parado para pensar que a maior de todas as magias só pode ser feita pelas mulheres: dar à luz. Por que será que ele desenvolveu essa fobia pelo sexo feminino???. Essa identificação simbólica da mulher com a natureza tem sido usada, ao longo do tempo, para mantê-la numa situação de ser subalterno. Porém as coisas nem sempre ocorreram desta maneira. Engels (1974) diz que nas sociedades primitivas a mulher tinha um papel relevante, pois mesmo ocorrendo a divisão do trabalho por sexos, esta era complementar e não implicava uma relação de subalternidade.
Em função desta associação com a natureza, historicamente, foram atribuídas a ela as tarefas domésticas, da alimentação e da criação dos filhos, ficando para o homem as funções públicas. Enquanto essas divisões de trabalho ocorriam de maneira equalizada no nível de importância social, a mulher não sofria discriminações nem era relegada a uma posição inferior. No olhar de Brabo (2005), a partir do momento em que houve divisão entre público e privado, iniciou-se o jogo de interesses, a relação de poder, o acúmulo de riquezas, e a mulher passou a ser definida dentro desta concepção, ou seja, o homem como proprietário, o senhor, e a mulher como a sua propriedade, sua dependente.
Numa época em que não eram consideradas cidadãs, sabe-se que as mulheres sempre trabalharam, assumindo um papel importante no desenvolvimento das cidades medievais e o seu trabalho foi também importante nas primeiras industrias. Nos séculos que antecederam o século XIX burguês elas foram excluídas dos direitos do cidadão, pois a universalidade dos mesmos não as incluiu. O acesso à universidade e mesmo a outros graus de escolaridade era praticamente restrito a poucas mulheres. No período da Revolução Francesa uma mulher teve grande destaque: Olympe de Gourges sugeria que deveria haver co-presença política e social de homens e mulheres e uma mesma dignidade para ambos os sexos. Reivindicava o direito de exercer uma profissão além de lutar pela abolição da escravidão negra e da pena de morte e também uma atenção maior a maternidade. Apesar da forte resistência masculina, as mulheres francesas conquistaram alguns direitos e a semente do feminismo começou a germinar com a criação de associações de mulheres revolucionárias. Em 1789, Olympe e mais 374 mulheres foram guilhotinadas, acusadas de comportamento masculino e esquecimento das virtudes do sexo feminino.
As conquistas femininas foram marcadas por avanços e retrocessos. Durante o século XIX as diferenças de tratamento entre o homem e a mulher, no mercado de trabalho e no âmbito social foram se tornando mais acentuadas. As mulheres recebiam salários menores e eram colocadas em segundo plano nos processos de decisão, nos locais de trabalho, nos sindicatos e nos partidos políticos. Eram ainda obrigadas a trabalhar em jornada dupla além de se submeterem às precárias leis de proteção à maternidade.
Em 8 de março de 1875, 129 trabalhadoras de uma indústria de tecidos de New York morreram queimadas na fábrica após um protesto contra as precárias condições de trabalho, redução da jornada de trabalho e igualdade salarial com os homens. Em 1975, a ONU oficializou o dia 8 de março como o Dia Internacional da Mulher.
Queremos, neste texto, homenagear as mulheres através do relato de alguns feitos notáveis de algumas delas nos campos da Ciência, da Educação e do conhecimento em geral. A explicação de alguns conceitos filosóficos é necessária para melhor entender o que vamos escrever. No século XVII surgiu na Filosofia uma ramificação denominada epistemologia que, pode ser entendida como o estudo crítico dos princípios, hipóteses e resultados de diversas ciências. De acordo com Hessen (2000), no conhecimento encontram-se frente a frente a consciência e o objeto, o sujeito e o objeto.
Historicamente, da epistemologia surgem três aspectos sobre o papel do cientista (sujeito) para introduzir conhecimento: o empirismo, o racionalismo e o interacionismo. No empirismo, relacionado aos nomes de Bacon, Locke e Hobbes, parte-se do pressuposto da primazia do objeto em relação ao sujeito. Assim, neste aspecto o cientista assume um papel passivo, pois a principal fonte do conhecimento reside no objeto. No racionalismo, relacionado a Descartes e Leibniz, supõe-se a primazia do sujeito em relação ao objeto, já que toma a razão, a capacidade humana de pensar, avaliar, conceber relações entre determinados elementos como principal fonte de conhecimento. Já no interacionismo, o conhecimento produzido é o resultado de interiorizações mantidas como realidade. Neste caso, as verdades da Ciência seriam então, históricas e, nunca neutras.
Para Einstein (1981), o observador que pretenda observar uma pedra, na realidade observa, se quisermos acreditar na Física, as impressões da pedra sobre ele próprio. Por isso a Ciência parece estar em contradição consigo mesma: quando se considera objetiva, mergulha contra a vontade na subjetividade.
O empirismo e o racionalismo causam um profundo afastamento entre a razão e a emoção, o objetivo do subjetivo, o corpo do espírito, característicos de uma sociedade patriarcalista. Para Furlanetto (2001), o dinamismo patriarcal, devido à sua grande capacidade de abstração, possibilitou a organização das normas e dos limites, o afastamento do ser humano de seu corpo e de suas emoções. No dinamismo patriarcal, para conhecer é necessário um afastamento do objeto a ser estudado e do conhecimento em totalidade. Limita as interações, as transformações e a criatividade. Já o dinamismo matriarcal possibilita uma proximidade entre o “eu” e o “outro”. Neste dinamismo, o aprender não resulta em afastar-se do objeto a ser conhecido, mas interagir com ele para que a partir dessa simbiose, possa ser captado em sua totalidade. Com o modo não-dual de conhecer, o conhecedor se sente em comunhão com tudo o que é conhecido.
Ao longo do tempo algumas mulheres ignoraram o dinamismo patriarcal castrador e mergulharam, sem medo, no dinamismo matriarcal. Uma delas foi a polonesa Marie Curie que, juntamente com homens associados a esse dinamismo, como Pierre Curie e Henry Becquerel, abriram o caminho para o entendimento da radioatividade. Estabeleceram uma nova técnica para o estudo das substâncias radioativas. Em 1898, descobriram o elemento polônio e foram laureados com o Prêmio Nobel de Física. Quando do falecimento do seu esposo Pierre Curie, tornou-se a primeira mulher a ocupar uma cátedra na Universidade de Paris que antes era ocupada por ele. Em 1911, Marie Curie foi novamente laureada com o Prêmio Nobel, desta vez de Química, pela descoberta do elemento químico rádio. Durante a Primeira Guerra Mundial orientou a construção de veículos dotados de aparelhos de raios-X que eram utilizados para a detecção de fraturas dos soldados no campo de batalha. Ela era uma das pessoas que dirigia os veículos carinhosamente chamados de “os pequenos Curies”.
Outra mulher importante no campo científico foi Lise Meitner, física austríaca que, em 1939, juntamente com Otto Frisch, descobriu como funcionava o processo da fissão nuclear. Durante a Segunda Guerra Mundial foi convidada para fazer parte do Projeto Manhattan da fabricação da bomba atômica. A sua descoberta foi fundamental para o desenvolvimento do terrível artefato nuclear, porém como era pacifista recusou-se a participar de qualquer projeto para a fabricação da bomba. Após a guerra seu valor foi reconhecido e recebeu prêmios importantes como o Fermi, a medalha Max Planck e a medalha Leibniz. Em 1992, o elemento 109, produzido em reatores nucleares, recebeu o nome de Meitnério pela União Internacional de Química Pura e Aplicada.
Infelizmente nem sempre a carreira das mulheres na Ciência é algo fácil. O dinamismo patriarcal machista e preconceituoso tem causado vários dissabores às cientistas. Em 2006, o reitor da Universidade de Harvard, Lawrence Summers, causou polêmica entre os acadêmicos quando sugeriu que as mulheres possuem menor capacidade em Ciência e em Matemática do que os homens. Summers disse que a teoria de que os homens são naturalmente mais capazes que as mulheres em ciências é fundamentada em uma pesquisa e não em sua opinião pessoal. Leda Cosmides, psicóloga da Universidade da Califórnia em Santa Bárbara, respondeu aos comentários de Summers dizendo que a evolução de fato forjou diferenças no modo de pensar e agir de homens e mulheres, porém tais diferenças não ajudam a explicar o porquê de haver mais pessoas do sexo masculino do que femininas em carreiras ligadas a Matemática e ciências exatas. Ao lembrar de Marie Curie e Lise Meitner, duas entre muitas brilhantes cientistas, percebe-se como foram infelizes as declarações de Mr. Summers.
É oportuno lembrar que em muitas situações as mulheres demonstram maior habilidade do que os homens no trato com determinadas máquinas, uma inegável evidência que as mãos femininas, afeitas aos trabalhos domésticos, podem também lidar com um torno com a mesma habilidade com que bordam e costuram. Ao comentar o preconceito machista do seu pai, Lygia Fagundes Telles cita a famosa frase irônica de Freud: Mas afinal o que querem as mulheres? Diz então: da minha parte eu quero apenas entrar para a Faculdade de Direito do largo do São Francisco, respondi ao meu pai. Lembrei ainda que poderia trabalhar para pagar esses estudos.
Em nosso país o acesso das mulheres às universidades tornou-se realidade apenas no século XX. Em 1837, foi criado no Rio de Janeiro, o Colégio D. Pedro II, uma escola oficial que deveria atender a uma nova proposta: era exclusivo para rapazes e considerado padrão em excelência. Um ano depois, Nísia Floresta fundou, na mesma cidade, o Colégio Augusto Comte que causou polêmicas, por instituir uma educação feminina totalmente inovadora para a época. Funcionou por 17 anos ensinando francês, inglês, italiano, geografia, história e educação física. Por se insubordinar contra a mentalidade patriarcal hegemônica da época, ao manter uma escola que se preocupava mais com a instrução do que o bordado e a costura foi duramente atacada por seus contemporâneos adeptos do dinamismo patriarcal. Numa época em que o ensino superior era proibido para mulheres, a primeira brasileira médica formou-se no New York Medical College e, curiosamente, sob o patrocínio do próprio Imperador. Felizmente, com o passar do tempo, a situação foi mudando e hoje as mulheres trabalham e estudam em igualdade de condições com os homens em todos os níveis escolares.
Infelizmente ainda não é possível dizer que ao lado de uma grande mulher existe sempre um grande homem.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRABO, Tânia Suely Antonelli Marcelino. Cidadania da Mulher Professora. São Paulo: Ícone, 2004.
CLARK, George L. & HAWLEY, Gessner G. Enciclopédia de Química. Barcelona: Omega, 1961.
ENGELS, F. A origem da família, da propriedade e do Estado. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1974.
EINSTEIN, Albert. Como Vejo o Mundo. 21 ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1981.
FURLANETTO, Ecleide. A sala de aula interdisciplinar vista como um vaso alquímico. São Paulo: mimeo, 2001.
PRIORE, Mary Del (org.). História das Mulheres no Brasil. São Paulo: Contexto, 2004.
TRINDADE, Diamantino Fernandes. O Ponto de Mutação no Ensino das ciências. São Paulo: Madras, 2005.TRINDADE, Diamantino Fernandes & TRINDADE, Lais dos Santos Pinto. Os Caminhos da Ciência e os Caminhos da Edu
Assinar:
Postagens (Atom)