domingo, 12 de outubro de 2008

JOSÉ BONIFÁCIO DE ANDRADA E SILVA – O PATRIARCA DA ECOLOGIA BRASILEIRA: A HISTÓRIA QUE NÃO VAI PARA A SALA DE AULA

Diamantino Fernandes Trindade

s livros didáticos de História contam apenas as atividades deste grande brasileiro como o Patriarca da Independência. Ele militou na política apenas na fase final de sua vida. Antes disso, foi um pesquisador científico de grande prestígio na Europa, sendo que a Universidade de Coimbra criou a cátedra de Mineralogia especialmente para ele. Pelos seus estudos sobre a pesca das baleias, reflorestamento e outras obras, podemos considerá-lo o Patriarca da ecologia brasileira.



1. Uma sólida formação científica

Para a maioria dos brasileiros José Bonifácio é o Patriarca da Independência, estadista e político. No entanto esta é uma fase de sua vida que começou em 1821 quando já tinha 57 anos e após ter tido contacto com a Europa permeada pelas idéias liberais da Revolução Francesa. A sua face cientifica é praticamente desconhecida dos brasileiros, mas é conhecida pelos pesquisadores europeus. Pode ser considerado o fundador da Marinha brasileira, o primeiro a propor um projeto de Universidade no Brasil e o patrono da Geologia e da Mineralogia em nosso país.
De acordo com Trindade e Trindade [1]:

Nasceu em Santos. Era filho do Capitão José Ribeiro d’Andrada e Maria Bárbara da Silva. Iniciou seus estudos em humanidades aos 14 anos no Colégio dos Padres em São Paulo, fundado pelo Bispo D. Manuel da Ressurreição. De 1780 até 1783 estudou no Rio de Janeiro, onde seu talento literário começou a se manifestar. Seus pais enviam-no então para Portugal, para estudar na Universidade de Coimbra nos cursos de Direito e Filosofia Natural, formando-se em 1787. José Bonifácio era descendente de linhagem nobre e teve como incentivador o Duque de Lafões que o conduziu a Academia Real de Ciências, em Lisboa, onde foi admitido como sócio livre.
Em 31 de maio de 1790 casou-se com Narcisa Emilia O’Leary. Foi convidado a participar da Missão Científica à Europa instruída pelo Ministro dos Estrangeiros e da Guerra, Luis Pinto Souza. Antes de sua partida ofereceu à Academia Real das Ciências de Lisboa um trabalho intitulado A Memória sobre a Pesca das Baleias, uma dos primeiros trabalhos com preocupação ecológica, no qual referia-se à prática perniciosa da caça aos baleotes, pois as baleias só reproduzem a cada dois anos.

Estudou Mineralogia e Química, em Paris, com Dr. Antoine Fourcroy. Nessa mesma cidade, estudou Mineralogia, na Escola Real de Minas, com o Professor Duhamel. Com René Just Hauy, estudou cristalografia. Nessa época, José Bonifácio escreveu, em co-autoria com seu irmão, Martim Francisco Memória sobre os diamantes do Brasil.
Manteve contatos com Lavoisier e Antoine Lourenço Jussier, com quem estudou Botânica. Após completar seus estudos em Paris, aprendeu Geologia em Freiberg, na Alemanha, com Abraham Werner.
A mineralogia era uma das suas preferências. Em Uppsala, na Suécia, estudou essa disciplina com Bergman, criador da classificação química dos minerais. Este foi o momento mais importante de sua carreira, pois com o conhecimento adquirido com Werner, deixou de ser um estudante e tornou-se um importante pesquisador cientifico. Dedicou-se ao estudo dos fósseis e pesquisou as jazidas e minas de Arandal, Sahia, Krageroe e Laugbansita, na Suécia e na Noruega. Fez a identificação de quatro espécies desconhecidas de minerais: petalita, espodumênio, criolita e escapolita, o que lhe valeu uma firme reputação como especialista na área.
Em 1800 retornou a Portugal e passou a ser admirado e respeitado pelos portugueses. Viajou por Portugal para fazer o reconhecimento dos recursos minerais e publicou um trabalho de valor inestimável para o desenvolvimento dessa atividade. Em 15 de abril de 1801 foi instituída, na Universidade de Coimbra, a cátedra de Metalurgia para que José Bonifácio pudesse formar profissionais especializados nesta área, até então pouco valorizada na metrópole. Exerceu diversos cargos científicos e políticos no reino português. Em de junho de 1802 recebeu os diplomas de doutor, nas Faculdades de Direito e Filosofia de Coimbra.
Retornou ao Brasil, em 1819, onde exerceu diversos cargos públicos, sendo uma figura muito importante no processo da Independência. Faleceu no 6 de abril de 1838, em Paquetá.


2. O patriarca da ecologia

Muito pouco se fala e escreve sobre a profícua atividade de José Bonifácio de Andrada e Silva como pesquisador científico. Foi um dos primeiros a denunciar de forma sistemática a devastação das florestas brasileiras. O seu primeiro trabalho científico foi publicado em 1790, um ano depois de ser admitido como membro da Academia das Ciências e Letras de Lisboa, a Memória sobre a pesca das baleias e a extração do seu azeite, com algumas reflexões a respeito de nossas pescarias. Nesta Memória ocupa-se sobre a pesca das baleias deixando um valioso estudo sobre os cetáceos, considerando já nessa época, a sua preocupação com o equilíbrio da natureza. Faz uma descrição desses mamíferos com muita propriedade e aponta os erros cometidos pelos pescadores e os malefícios causados pelos mesmos. Nessa publicação, José Bonifácio cita:

Deve certo merecer também grande contemplação a perniciosa prática de matarem os baleotes de mama, para assim arpoarem as mães com maior facilidade. Têm estas tanto amor aos seus filhinhos, que quase sempre os trazem entre as barbatanas para lhes darem leite e, se porventura lhos matam, não desocupam o lugar sem deixar igualmente a vida na ponta dos arpões. É tamanho o seu amor que, podendo permanecer no fundo das águas por mais de meia hora sem vir respirar na superfície, e assim escapar do perigo que as ameaça, preferem antes expor a vida para salvarem a dos filhinhos, que não podem ficar sem respirar por tanto tempo.

Nessa época já condenava a matança desses filhotes, pois as baleias apenas procriam de dois em dois anos apenas um baleote e, conseqüentemente, matando-se estes, todos os seus descendentes também morreriam.
No Brasil, em vários momentos criticou a destruição das matas nativas. Deixou isto explicito, por exemplo, em sua Representação à Assembléia Geral Constituinte e Legislativa do Império do Brasil sobre a Escravatura, de 1823, onde defendia a abolição do comércio de escravos e a extinção gradual do regime escravo.
Outra discussão muito atual, e uma das mais polêmicas na agenda ambientalista no planeta, a das mudanças climáticas provocadas pela devastação ambiental, também foi de certa forma antecipada por José Bonifácio. Diz ele, na mesma representação, após elencar em 32 artigos o programa que propôs para a abolição gradual da escravatura no Brasil:

Nossas terras estão ermas, e as poucas, que temos roteado, são mal cultivadas, porque o são por braços indolentes e forçados; nossas numerosas minas, por falta de trabalhadores ativos e instruídos, estão desconhecidas, ou mal aproveitadas; nossas preciosas matas vão desaparecendo, vítimas do fogo e do machado destruidor da ignorância e do egoísmo; nossos montes e encostas vão se escalvando diariamente, e com o andar do tempo faltarão as chuvas fecundantes que favoreçam a vegetação e alimentem nossas fontes e rios, sem o que o nosso belo Brasil em menos de dois séculos ficará reduzido aos páramos e desertos áridos da Líbia.

Dizia ainda, nesse documento:

Demais, uma vez que acabe o péssimo método da lavoura de destruir matas e esterilizar terrenos em rápida progressão, e se forem introduzindo os melhoramentos da cultura européia, decerto com poucos braços, a favor dos arados e outros instrumentos rústicos, a agricultura ganhará pés diariamente, as fazendas serão estáveis, e o terreno, quanto mais trabalhado, mais fértil ficará. A natureza próvida, e sábia em toda e qualquer parte do globo, dá os meios precisos aos fins da sociedade civil, e nenhum país necessita de braços estranhos e forçados para ser rico e cultivado.

Outra importante obra sobre ecologia foi a Memória sobre a necessidade e utilidades do plantio de novos bosques em Portugal. Para conhecer, com mais detalhes, a poderosa obra literária de José Bonifácio, remetemos o leitor ao seguinte site:

www.obrabonifacio.com.br

Muito culto e com uma antevisão dos problemas futuros, que poderiam agredir o meio natural, o nosso ilustre compatriota procurou sempre soluções, objetivando suplantar o desconhecimento e o mau aproveitamento da natureza pelos seus contemporâneos [2].

A atividade do reflorestamento teve início no Brasil, em 1861, quando o imperador Dom Pedro II mandou plantar a Floresta da Tijuca para restaurar a vegetação nativa e preservar a qualidade da água.
Mais de 180 anos após o alerta de José Bonifácio, o Brasil continua sendo devastado. A aridez do Nordeste e os enclaves de desertificação até no Rio Grande do Sul são uma confirmação da sua advertência.



Referências Bibliográficas e Sitiográficas

DINIZ, Ricardo. Reflorestamento, um bom negócio para a natureza e para a economia. Disponível em
<www.fbb.org.br/portal/pages/publico/expandir.fbb?codconteudolog=1722> Acesso em 05/02/2008.
GUIMARÃES, Fernando Luiz Campos (coord.). José Bonifácio, cientista. Rio de Janeiro: Maity Comunicação, 1988.
Acesso em 02/02/2008.
O PATRIARCA DO REFLORESTAMENTO. Disponível em
<www.viabiosfera.cosmo.com.br/patriarca>. Acesso em 19/09/2007.
TRINDADE, Diamantino Fernandes & TRINDADE, Lais dos Santos Pinto. Os Pioneiros da Ciência Brasileira: Bartholomeu de Gusmão, José Bonifácio, Landell de Moura e D.Pedro II. Revista Sinergia. São Paulo: CEFET-SP, v. 04, n. 2, 2003, p. 163-169. WINZ, Antonio Pimentel. José Bonifácio: o ecologista. In: Guimarães, Fernando Luiz Campos (coord.). José Bonifácio, cientista. Rio de Janei
[1] Diamantino F. Trindade e Lais dos Santos Pinto Trindade. Os Pioneiros da Ciência Brasileira: Bartholomeu de Gusmão, José Bonifácio, Landell de Moura e D.Pedro II.

[2] Antonio Pimentel Winz. Diretor do Museu e Secretário de Estudos e Pesquisas Históricas do Instituto Histórico e Geográfico Nacional.

Nenhum comentário: